Nos últimos anos, o Brasil tem vivenciado um aumento alarmante nas denúncias relacionadas ao calor extremo no ambiente de trabalho. Entre 2022 e 2024, o número de queixas recebidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) quase quintuplicou, subindo de 154 para 741. Este fenômeno é um indicativo de que as condições de trabalho precisam ser reavaliadas e adaptadas a um mundo que enfrenta um aquecimento global crescente.
Em fevereiro de 2025, já foram registradas 194 denúncias nas primeiras semanas do ano — superando o total de queixas de 2022. O procurador Patrick Maia Merisio, que inspecionou um comércio em São Paulo durante uma onda de calor, testemunhou em primeira mão as condições extremas enfrentadas pelos trabalhadores: "As pessoas trabalham ali, muitas delas em ambientes fechados, são corredores estreitos, é muita gente. O problema ali do calor é que é um lugar muito cheio."
A situação é crítica. As temperaturas têm alcançado picos insuportáveis, como os 43°C registrados nas últimas semanas. As denúncias se concentram em diversos estados, sendo o Rio Grande do Sul o mais afetado, respondendo por 21% do total. Estados como São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Rio de Janeiro também aparecem com preocupantes números. Paulo Andrade, líder do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul, destacou um aumento significativo nas queixas sobre calor excessivo em fábricas da região: "Quando está 34°C, 38°C fora da empresa, dentro da empresa está marcando 43°C. Isso não pode acontecer."
Além das temperaturas elevadas, problemas como falta de ventilação e água fresca são recorrentes nas queixas dos trabalhadores. O sindicato tem trabalhado com as empresas para implementar pausas regulares e melhorias nas condições de trabalho. "A tendência, se as empresas não se adequarem, vai ser ter um número de denúncias cada vez maior. Porque os trabalhadores não aguentam, temos relatos de empresas em que as pessoas estavam desmaiando", alerta Andrade.
Os setores com maior incidência de denúncias incluem aqueles que operam ao ar livre, como a agricultura, construção civil e serviços de vigilância. Contudo, setores como telemarketing, supermercados e indústrias também estão enfrentando queixas crescentes. Cirlene Zimmermann, do MPT, afirma que o aumento das temperaturas impacta diretamente a saúde dos trabalhadores, levando a problemas sérios como exaustão, desidratação e até mortes. "O aumento das temperaturas e as ondas de calor cada vez mais frequentes devem causar mais problemas de saúde e mortes relacionadas ao calor entre trabalhadores ao redor do mundo", afirmam pesquisadores em um estudo recente.
A pesquisa indica que trabalhadores são proporcionalmente mais expostos ao calor extremo. Especialmente os agricultores, que frequentemente trabalham sob as condições mais severas, podem não ter a opção de fazer pausas adequadas, aumentando o risco de acidentes e enfermidades. Outro informe de pesquisadores brasileiros revela que as populações mais vulneráveis ao calor são predominantemente as minorias raciais, que muitas vezes ocupam os trabalhos mais expostos.
Fábio Gonçalves, professor da Universidade de São Paulo, explica que a hipertermia, que resulta de condições climáticas extremas, pode levar a sérias complicações de saúde. "No calor extremo, o corpo tenta eliminar o calor, mas se está quente e úmido, o suor não consegue evaporar. Isso provoca uma elevação da temperatura corporal", descreve.
Para combater esta situação crítica, o MPT criou o Grupo de Estudos sobre Mudanças Climáticas e Impactos no Meio Ambiente do Trabalho. Entre suas recomendações estão:
Estas medidas são essenciais para garantir a saúde dos trabalhadores e evitar que o quadro de denúncias continue a crescer. Além disso, é importante que os governos implementem políticas de proteção aos trabalhadores informais, promovendo regulamentações adequadas para a área.
A experiência do Rio de Janeiro exemplifica boas práticas, onde a prefeitura tem adotado um protocolo de calor, criando mecanismos de resfriamento e fornecendo suporte em períodos de temperatura extrema. No entanto, é crucial que diretrizes para combater o calor extremo sejam adaptadas às diferentes realidades regionais do Brasil.
Por fim, a necessidade de se repensar o papel dos trabalhadores no contexto atual não pode ser subestimada. A maioria da população economicamente ativa pode em breve ser composta por trabalhadores informais, os quais não têm a mesma proteção legal. Portanto, medidas de proteção social inclusivas são imperativas.
As evidências apontam que o diálogo entre empresas e órgãos de fiscalização é vital para a implementação de soluções práticas e efetivas. O que se espera é que, com mudanças concretas e responsabilidades compartilhadas, seja garantido o bem-estar dos trabalhadores em um Brasil que enfrenta desafios climáticos cada vez mais severos.