Há 80 anos, a cidade de Dresden, localizada no Leste da Alemanha, foi severamente atingida por bombardeios aliados que causaram uma alta mortalidade. No entanto, a contagem das vítimas foi manipulada por extremistas de direita e até mesmo pelo governo da Rússia, com o intuito de gerar propaganda. Na noite de 13 de fevereiro de 1945, bombardeiros britânicos e americanos lançaram uma série de ataques que devastaram a cidade. Entre 13 e 15 de fevereiro, os incêndios resultantes desses ataques consumiram o centro histórico de Dresden, deixando um rastro de destruição e inúmeras vidas perdidas.
Após os bombardeios, os sobreviventes enfrentaram a árdua tarefa de empilhar os mortos para a incineração, como forma de evitar a disseminação de doenças. As imagens capturadas pelo fotógrafo Walter Hahn se tornaram um símbolo da tragédia que ali sucedeu.
Mesmo após 80 anos da tragédia da Segunda Guerra Mundial, o debate em torno do número de mortos em Dresden continua. Muitas vezes, essa discussão é utilizada para fins políticos duvidosos. Um post recente em uma rede social afirmou: "Se você nunca ouviu falar do bombardeio de Dresden, perdeu uma parte significativa da história. Centenas de milhares de pessoas inocentes perderam suas vidas", enquanto outros usuários sugerem números entre 100 mil a 130 mil vítimas, e até 250 mil, uma estimativa que circula entre grupos extremistas.
Entretanto, uma análise realizada por historiadores e publicada em 2010 refuta essas alegações. A pesquisa concluiu que o número real de mortos em Dresden durante os bombardeios foi consideravelmente menor, contabilizando cerca de 25 mil mortes.
Após a rendição da Alemanha em 8 de maio de 1945, a cidade de Dresden passou a compor a zona de ocupação soviética, que posteriormente se tornaria a República Democrática Alemã (RDA). Nesse contexto, as antigas potências aliadas passaram a ser visualizadas como "provocadores de guerra". A socióloga Claudia Jerzak explica que "Dresden tornou-se um símbolo dessa narrativa". Em 1955, uma análise do governo da então Alemanha Oriental estipulou que o número de vítimas era de 35 mil, uma estimativa que se manteve sem contestação até 1989.
Com a Revolução Pacífica que levou à queda do regime comunista e à reunificação da Alemanha em 1990, o nacionalismo ressurgiu, e grupos extremistas começaram a explorar a propaganda que criava uma imagem de Dresden como uma “inocente cidade cultural e artística”, que teria sido destruída injustamente. Para contrabalançar as especulações acerca do número de vítimas, em 2004 a prefeitura de Dresden e o parlamento da Saxônia formaram uma comissão historiográfica para apurar os dados. Após cruzar informações de registros municipais de 1945 com diversas fontes, a comissão confirmou, em 2010, que o número de mortos era, de fato, “de até 25 mil”. Além disso, os registros do governo nazista contradizem a ideia de que um grande número de refugiados teria buscado abrigo em Dresden e morrido lá sem documentação.
Conforme destacou Michael Neutzner, membro da comissão de historiadores, "todo trem de refugiados que chegava à estação ferroviária de Dresden tinha um prazo de 24 horas para partir, dado o espaço extremamente escasso durante a guerra." Portanto, é possível inferir que o número de refugiados presentes na cidade durante a noite dos bombardeios não excedia mil pessoas.
A origem das estimativas exageradas de vítimas pode ser atribuída a diversas fontes. Já em 25 de fevereiro de 1945, o jornal sueco Svenska Dagbladet publicou que "ninguém sabe ao certo" quantas vidas haviam sido perdidas em Dresden, porém rapidamente surgiram números que variavam entre 100 e 200 mil. A comissão de historiadores atribui essas alegações a uma campanha de propaganda contra a condução da guerra pelos Aliados, afirmando que correspondentes suecos em Berlim reproduziram os dados fornecidos por autoridades nazistas.
O autor David Irving, em seu controverso livro de 1966, também contribuiu para a disseminação de informações errôneas, ao afirmar que 135 mil pessoas haviam morrido em Dresden, um número que ainda é repetido nas redes sociais e até pelo Ministério das Relações Exteriores da Rússia. Irving se baseou em uma suposta "Ordem do dia 47", datada de 22 de março de 1945, que já foi provada como forjada, e há indícios de que ele estava ciente disso.
Hoje, grupos neonazistas e outros extremistas de direita continuam a pedir o reconhecimento da narrativa de vítimas alemãs, no entanto, essa versão revisionista está longe de ser verdadeira. Segundo Thomas Kübler, membro da comissão, "todas as evidências apontam que os eventos de 1945 se resumem ao fato de que Dresden foi alvo de um bombardeio". Anualmente, em 13 de fevereiro, a cidade promove um evento em memória das vidas perdidas durante os bombardeios, simbolizando a resistência e a busca pela verdade acerca dessa tragédia da história.