O retorno de Donald Trump à Casa Branca altera significativamente o panorama da política externa dos Estados Unidos, confrontando o Brasil com uma encruzilhada diplomática complexa. Em apenas três semanas de seu segundo mandato, Trump já demonstra que suas ações podem ser ainda mais disruptivas do que na sua administração anterior, especialmente para países como o Brasil, que buscam equilibrar relações com diferentes potências globais.
As primeiras decisões de Trump são reveladoras: houve um congelamento de ajuda externa, ameaças de intervenções contra aliados e uma política comercial agressiva que afeta até países vizinhos como México e Canadá. Para o Brasil, esse cenário exige uma análise aprofundada das implicações nas relações bilaterais.
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O momento é delicado, pois, ao contrário do primeiro mandato, em que Trump teve em Jair Bolsonaro um aliado ideológico, agora terá que lidar com um governo brasileiro com uma orientação diferente. A robustez da relação bilateral, que havia se mostrado forte com recordes de exportações brasileiras para os EUA ultrapassando os US$ 40 bilhões em 2024, pode ser testada.
Marco Rubio, o novo Secretário de Estado dos EUA, já deixou claro seu foco prioritário no Hemisfério Ocidental. Embora essa notícia pudesse ser benéfica para o Brasil, a estratégia atual dos EUA parece mais direcionada ao confronto com a China do que ao estabelecimento de parcerias regionais construtivas. Essa abordagem pode trazer constrangimentos, já que o Brasil é um importante membro dos Brics e um parceiro comercial significativo para a China.
Contudo, o Brasil possui ativos que podem ser atraentes para a administração Trump, como reservas significativas de minerais críticos e uma matriz energética diversificada que abrange desde combustíveis fósseis até hidrogênio verde. Além disso, a posição geopolítica do Brasil lhe confere uma relevância maior na dinâmica regional.
Entretanto, a crescente influência de Elon Musk na política americana adiciona uma nova variável a essa equação. Sua presença pode impactar desde decisões de infraestrutura digital até iniciativas de cooperação espacial, áreas onde o Brasil também tem interesses importantes.
Os riscos, no entanto, são significativos. A experiência do primeiro mandato de Trump evidenciou que setores tradicionalmente robustos do comércio, como o aço, não estão a salvo de medidas protecionistas. Adicionalmente, a tensão entre o trumpismo e o bolsonarismo pode gerar ruídos indesejáveis nas interações governamentais sob a gestão de Lula.
A presidência brasileira nos Brics em 2025 e a liderança de uma agenda ambiental multilateral durante a COP 30, que ocorrerá em Belém, também podem se transformar em pontos de tensão nas relações bilaterais.
O contexto internacional mudou drasticamente desde a primeira administração de Trump. A guerra na Ucrânia, as instabilidades no Oriente Médio e a nova configuração de interesses dos países emergentes criaram um cenário geopolítico ainda mais complicado, exigindo do Brasil um aprimoramento nas suas habilidades de diplomacia.
Simultaneamente, em um mundo onde política externa e doméstica estão cada vez mais entrelaçadas, é irreal esperar que as relações entre Brasil e Estados Unidos permaneçam imunes a ciclos eleitorais e pressões políticas internas. Observa-se uma tendência crescente na qual decisões de política externa são tomadas com base em considerações eleitorais, priorizando ganhos imediatos em vez de políticas de Estado sustentáveis.
No lado americano, a necessidade de Trump de demonstrar resultados rápidos para sua base pode resultar em decisões abruptas e unilaterais, mesmo que tragam custos diplomáticos. Por outro lado, o clima de polarização política no Brasil e a pressão constante por resultados econômicos imediatos podem comprometer a capacidade do país para manter uma política externa robusta e pragmática.
Como bem expresso na canção de Flávio José, muitos acreditam que “tudo pode acontecer, inclusive nada”. Contudo, é mais provável que continuemos a testemunhar um enfraquecimento gradual nas relações institucionais, dando espaço a acordos transacionais baseados na política do momento, em detrimento dos interesses duradouros de ambas as nações.