No dia 16 de janeiro de 1984, São Paulo presenciou o primeiro comício das Diretas Já, um marco na luta pela redemocratização do Brasil. O Jornal do Brasil estampou em sua manchete principal que Tancredo Neves dialogava com governadores do PDS, partido ligado ao regime militar, com a intenção de formar uma aliança entre PMDB e PDS nas eleições indiretas. Essa informação, revelada pelo jornalista Carlos Marchi, causou uma grande repercussão. Para o governo de João Figueiredo, a notícia representava uma traição, enquanto as oposições viam como um golpe em sua recém-iniciada campanha pela democracia.
Naquela noite, ao subir ao palco lotado das Diretas Já, Tancredo foi confrontado por uma multidão de jornalistas com a pergunta: "É verdade?" Em resposta, ele disparou: "Isso é coisa de um jornalista irresponsável, leviano e mentiroso!". Marchi, que havia recebido informações de dois governadores do Nordeste sob condição de anonimato, percebeu que estava diante de um dilema. A manchete que publicou tinha o potencial de representar uma verdade do futuro, mas também arriscava comprometer o delicado processo de redemocratização em curso.
Cinco meses depois, Marchi deixou o Jornal do Brasil e foi convidado por Fernando Lyra para trabalhar na assessoria de imprensa de Tancredo Neves. Aceitou imediatamente. Na primeira reunião com o então candidato à presidência, Tancredo o reconheceu e, de forma intrigante, questionou se ele estava "pronto pra guerra?". Marchi, elogiando o espírito combativo de Tancredo, aproveitou para lembrar da polêmica manchete que o havia deixado em uma posição complicada. Ele disse: "Eu sou aquele jornalista irresponsável, leviano e mentiroso que publicou a manchete no Jornal do Brasil". O diálogo coloriu o momento e revelou a disposição de Tancredo para enfrentar as adversidades, marcando o início de uma relação de confiança entre eles.
À medida que a campanha avançava, Marchi se sentiu verdadeiramente parte de um movimento que buscava mudança. Tancredo, reconhecido por sua visão política aguçada, sempre se preocupou com questões que iam além da política, atentas também às esferas pessoais de seus colaboradores. Um dia, durante uma conversa casual, ele disse em tom sério: "Nós não temos direito de errar. Nem eu nem vocês". Essas palavras ecoavam a responsabilidade que todos sentiam na construção de um novo Brasil.
Entretanto, a trajetória de Tancredo não foi isenta de riscos. Uma madrugada, Marchi recebeu um telefonema do major Fourreaux, que chefiava a segurança do candidato, informando que uma bomba havia sido lançada no escritório da assessoria. Ao chegar, Marchi encontrou uma sala devastada e repleta de jornalistas clamando por informações. Quando Tancredo chegou para se pronunciar, fez isso com um sorriso tranquilo, desafiando o clima tenso ao afirmar: "Acho que eles não gostam de você, Marchi". Sua capacidade de manter a calma diante do caos impressionava a todos.
Tancredo Neves se tornaria um símbolo de esperança para a nação, e sua escolha para a presidência, após 21 anos de ditadura militar, representou o anseio por liberdade e democracia do povo brasileiro. A experiência adquirida nesse período formativo seria ímpar para Marchi, que aprendera mais nos sete meses de convivência com Tancredo do que em toda a sua vida anterior.
A rápida evolução política que se desenrolou culminou na vitória de Tancredo em 1985, que prometeu restabelecer a democracia no Brasil. Como presidente escolhido indiretamente, sua administração buscou unir o país e reformar as estruturas políticas desgastadas, além de revitalizar a economia. A relação de Marchi com Tancredo tornou-se um legado importantíssimo na história política do Brasil e na luta pela liberdade.
Hoje, ao recordarmos esses momentos significativos, nos lembramos da coragem e determinação que caracterizaram a reabertura democrática no Brasil. O compromisso de pessoas como Tancredo Neves e sua equipe possibilitaram que o país transformasse suas adversidades em conquistas e, assim, se firmasse como uma nação livre e democrática.