A deputada federal Sâmia Bomfim, do PSOL-SP, tomou a decisão de acionar o Ministério Público contra a cantora Baby do Brasil após a artista pedir, durante um culto na D-Edge, que vítimas de abuso sexual perdoassem seus agressores. Ela argumenta que as palavras da cantora incitam o crime e promovem a condescendência criminosa, o que resulta em impunidade e silenciamento das vítimas.
O incidente ocorreu na casa noturna D-Edge, localizada na Barra Funda, em São Paulo. Baby do Brasil ganhou amplo destaque nas redes sociais ao encorajar as vítimas a “perdoarem” aqueles que as abusaram, mesmo que os agressores sejam membros da família.
Em entrevista ao GLOBO, Sâmia enfatizou que o impacto das declarações de Baby é significativo, visto que, além de ser uma figura pública de grande visibilidade, ela ocupa uma posição de liderança religiosa. "A fala dela leva muitas mulheres a crer que não devem denunciar seus agressores, mas sim aceitá-los. O correto é que as mulheres sejam incentivadas a buscar ajuda e a denunciar esses crimes", afirmou a deputada.
A deputada criticou a declaração de Baby do Brasil, chamando-a de "inaceitável e criminosa". Ela ressaltou que a maioria dos abusos ocorre dentro de casa, por familiares, e apresentou dados alarmantes: em 2024, foram registrados 83.988 casos de estupro e delitos relacionados, um aumento de 6,5% em relação ao ano anterior, com 61% das vítimas sendo crianças de até 13 anos.
"Baby cometeu indiscutivelmente incitação ao crime e condescendência criminosa, por reforçar uma cultura que favorece o silenciamento e a impunidade em relação à violência sexual", criticou a parlamentar. Em sua denúncia, Sâmia argumentou que o discurso de Baby ultrapassa os limites da liberdade religiosa e de expressão, incitando comportamentos que podem resultar na impunidade de crimes sérios.
A deputada montou um caso ao afirmar que o reconhecimento de Baby do Brasil como artista e líder religiosa implica em um peso significativo, capaz de influenciar muitas pessoas a não denunciarem os abusos. "Essa indignação é compartilhada por mim, pois a influência dela pode fazer com que vítimas vulneráveis deixem de procurar ajuda e até encubram abusos", disse Sâmia na denúncia.
Além de requisitar a investigação sobre Baby do Brasil, a deputada solicitou ao Ministério Público de São Paulo que investigue a própria D-Edge por omissão. Segundo Sâmia, a falta de intervenção do sócio da boate, Renato Ratier, em relação aos discursos potencialmente criminosos é um sinal de condescendência criminosa, conforme indicado pelo artigo 349 do Código Penal.
É essencial que o MP atue sobre a situação que, na visão da deputada, vem utilizando a imunidade religiosa como um escudo para a prática de crimes e perpetuação da violência.
O culto em questão, chamado "Frequência de Deus", transformou a tradicional pista da D-Edge em um auditório onde Baby do Brasil, ex-vocalista dos Novos Baianos e pastora pentecostal, conduziu a parte musical. Durante sua pregação, fez um apelo para que as vítimas perdoassem seus agressores, incluindo acusados que fossem da própria família.
— "Perdoa tudo que você tiver de ruim no seu coração, aqui, hoje, nesse lugar, perdoa! Se teve abuso sexual, perdoa! Se foi da família, perdoa" — disse Baby durante o culto.
O evento foi idealizado por Renato Ratier, o DJ e proprietário da boate, e contou também com a participação dos pastores Pedro e Samuel Santana, pai e filho. O público presente, majoritariamente composto por pessoas brancas entre 30 e 40 anos, vestia uma variedade de roupas, desde trajes casuais até mais sofisticados.
Relatos de participantes mencionaram experiências de uma suposta "cura gay", um tratamento sem qualquer base científica para a reversão da orientação sexual, envolvendo a população LGBTQIAP+. Uma seguidora do evento expressou seu descontentamento em relação ao discurso de perdão: "Expectativa: perdoar é limpar espaço em você, vai te ajudar! Que lindo. Bora dar visibilidade para esse tal perdão FÁCIL de ser feito. Realidade: abusador lê isso, e vai e ABUSA. Afinal, 'vou ser perdoado mesmo'".
Outro internauta criticou a mensagem de apoio à "cura gay": "Quem não é cristão também é aceito? Quem é gay pode entrar? Por que agora a D-Edge virou uma igreja evangélica que tem até testemunhos de 'cura gay'? Estou confuso", declarou.
Durante o evento, um fiel relatou que antes de se converter, vivia como travesti, mas teria sido "curado" pela fé e agora é casado com uma mulher há 38 anos. Um internauta, em tom irônico, questionou se a D-Edge continuaria a ser uma boate: "Estou confusa, a casa continua sendo balada eletrônica e todo babado que existe? Ou virou igreja mesmo?".
Baby do Brasil já havia se envolvido em controvérsias anteriormente, incluindo um incidente durante o Carnaval do ano passado, onde, ao se apresentar em Salvador, fez um comentário sobre a aproximação do apocalipse, deixando Ivete Sangalo surpresa.
Embora Baby do Brasil tenha alcançado fama nacional na década de 1970 como uma das vocalistas dos Novos Baianos, ela se tornou evangélica no final dos anos 1990 e fundou a igreja Ministério do Espírito Santo em Nome do Senhor Jesus Cristo.