A vida dos brasileiros na Rússia tem sido marcada por desafios significativos após três anos de conflito com a Ucrânia e as severas sanções internacionais impostas ao país. Essas mudanças impactaram não apenas a economia local, mas também o dia a dia dos expatriados, que se adaptam a um novo cenário repleto de dificuldades e incertezas.
Eduarda Moreira, uma brasileira de 24 anos, compartilha sua experiência após residir na Rússia por seis anos, sendo que a metade desse período foi em meio à guerra. Ela se mudou para o país com o objetivo de estudar medicina e testemunhou a transformação radical do ambiente em que vive. Eduarda reside em Kursk, uma cidade próxima à fronteira com a Ucrânia e um dos epicentros do conflito em curso.
A jovem ressalta que a comunidade brasileira por lá é pequena, com cerca de 600 compatriotas vivendo na Rússia, segundo dados do Itamaraty de 2022. Com a saída de muitas empresas internacionais e o fechamento de famosas franquias como McDonald's e Zara, a falta de opções se fez sentir de maneira acentuada. “Lojas como Zara, H&M, McDonald's e Starbucks foram fechando aqui. Coca-Cola você não encontra mais”, afirma Eduarda.
Para enfrentar a falta de produtos, o governo russo incentivou o surgimento de novas empresas locais que passaram a produzir itens que antes eram importados. Como resultado, surgiu no mercado um refrigerante chamado Добрый Cola, semelhante à Coca-Cola, e lanchonetes que substituem o McDonald's. Eduarda menciona com humor que os sanduíches dessas novas redes são “muito parecidos” com o que os brasileiros conhecem. "É realmente 'gostoso e ponto'.”
Entretanto, mesmo com essas alternativas, muitos brasileiros ainda encontram a bebida original em mercados paralelos a preços elevados. João Guilherme Carvalho, um jogador de futsal de 27 anos que mora em Moscou, observa que os novos refrigerantes têm um gosto semelhante a marcas mais baratas encontradas no Brasil.
A situação se complica ainda mais devido às restrições de internet e aplicativos populares, que dificultam a comunicação e o acesso à informação. “O único que ainda funciona bem é o WhatsApp”, aponta Eduarda. Enquanto aplicam medidas de contorno com VPNs para acessar plataformas como Instagram e TikTok, os brasileiros tentam manter-se conectados ao que acontece fora da Rússia.
Um dos maiores desafios enfrentados por quem reside no país é a restrição do acesso aos serviços bancários internacionais. Com a exclusão dos bancos russos do sistema Swift, muitos brasileiros tiveram que desenvolver um sistema de câmbio paralelo informal, trocando dinheiro entre si. “Começamos a trocar moeda de forma informal com outros brasileiros que vivem aqui. Eu transfiro reais para eles no Brasil, e eles nos devolvem em rublos aqui”, revela uma brasileira que solicitou anonimato.
A inflação também maçante tem gerado um impacto significativo na vida quotidiana dos brasileiros na Rússia. Os preços de alimentos, como a bandeja de frango que subiu de 150 rublos para 300, são exemplos do aumento drástico dos custos.
A guerra também gerou um aumento considerável nas passagens aéreas para o Brasil. Segundo Eduarda, preços que antes giravam em torno de R$ 3 mil agora alcançam a marca de R$ 20 mil. Para economizar, muitos optam por rotas mais longas, como viagens de ônibus até a Finlândia antes de embarcarem em voos para o Brasil, aumentando consideravelmente a duração e o desgaste das viagens.
Na cidade de Kursk, os sons de sirenes e explosões tornaram-se parte da rotina de Eduarda, que conta como esses eventos começaram a se intensificar logo no início do conflito, em fevereiro de 2022. “Começamos a ver militares e tanques na rua. Todo mundo sabia o que ia acontecer”, recorda a estudante.
Apesar da situação, Eduarda continua sua vida cotidiana, frequentando aulas, indo ao mercado e saindo com amigos. Ela reflete sobre a estranha normalidade que encontrou na rotina de conflito: "Eu saio de casa com barulho de sirenes e bomba mesmo. A vida não parou.”
Contudo, ao refletir sobre sua realidade, ela percebe a surrealidade de considerar sons de guerra como parte do cotidiano. Essa situação alarmante é um dos muitos marcos que o conflito na Ucrânia trouxe para a Rússia e seus cidadãos.
As raízes do conflito remontam a décadas de tensões geopolíticas, exacerbadas pela invasão russa em 2022. Questões territoriais em torno da região da Crimeia, disputas sobre a influência ocidental e a história compartilhada entre os países resultam em um cenário complicado e desafiador. Os especialistas, como Daniela Vieira da PUC Minas, falam sobre a vital importância da Crimeia para os interesses militares russos.
A dinâmica entre a Rússia e o Ocidente, e a percepção de ameaça diante da expansão da OTAN, adiciona uma camada de complexidade ao panorama. A sensação de insegurança é reforçada pelas memórias históricas de conflitos anteriores.
Os economistas observam que as sanções têm um efeito ambíguo sobre a economia russa. Embora provoquem pressão sobre o governo, a Rússia consegue manter um fluxo de exportações de petróleo e fertilizantes para países aliados.
Conforme a guerra continua sem um desfecho à vista, o futuro permanecerá incerto, dependendo de ações externas e possíveis diálogos para um cessar-fogo.