O tema da licença-paternidade tem ganhado cada vez mais destaque no Brasil, especialmente com a urgência imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que o Congresso Nacional regulamente esse direito fundamental. Afinal, a Constituição de 1988 determinou que a licença-paternidade é um direito dos trabalhadores e precisa de regulamentação, algo que ainda não foi efetivado.
Recentemente, um levantamento realizado pela CNN revelou que, à medida que o prazo estipulado pelo STF se aproxima, tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal acumulam diversos projetos sobre a licença-paternidade. Estima-se que pelo menos 33 propostas de deputados visem aumentar a duração da licença para todos os pais, sem exceção. Já entre os senadores, há um mínimo de quatro projetos em discussão nas comissões temáticas, e ao considerar as iniciativas que buscam amparo para grupos específicos, como pesquisadores e militares, o total de propostas em tramitação chega a cerca de 43.
O projeto mais antigo, o PL 3935/2008, de autoria da ex-senadora Patrícia Saboya, data de 17 anos atrás. Enquanto isso, ao menos dez projetos foram apresentados entre 2023 e 2024. “A intensa produção legislativa sobre esse tema reflete um amadurecimento da sociedade brasileira, que se manifesta nas propostas em circulação. A necessidade está evidente e influencia as ações dos parlamentares, especialmente após o impulso dado pelo STF”, destaca Mariana Covre, diretora jurídica da CoPai, uma coalizão que busca a ampliação do direito à licença-paternidade.
A regulamentação da licença-paternidade se faz necessária, uma vez que, atualmente, seu tempo de duração é de apenas cinco dias, conforme a previsão em falta de norma. Em dezembro de 2023, o STF reconheceu que o Congresso havia sido omisso em regulamentar esta lei e, como consequência, fixou um prazo de 18 meses — ou seja, até junho deste ano — para a criação de uma norma. Caso não haja regulamentação até lá, caberá ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre a questão.
Covre enfatiza que a licença-paternidade deve ser encarada como uma pauta apartidária e não vinculada a ideologias políticas, mas sim como uma questão que afeta toda a sociedade. “Defendemos a licença-paternidade com um olhar voltado para as crianças. O desenvolvimento de um vínculo com o pai começa desde o primeiro dia e se estende por toda a vida. Os homens que se envolvem mais no cuidado dos filhos desenvolvem habilidades como adaptabilidade e resiliência. Além disso, isso pode aliviar a carga de trabalho das mulheres, que frequentemente lidam com desafios no mercado, considerando que pesquisas mostram que 56% das mulheres são demitidas após a licença-maternidade, o que é preocupante”, acrescenta Covre.
Enquanto a licença-paternidade no Brasil enfrenta a falta de regulamentação — uma questão reconhecida pelo STF —, a licença-maternidade é bem mais avançada. Desde 2008, existe uma lei que permite a ampliação da licença-maternidade para 120 dias, pois a mulher pode se afastar do trabalho amparada por seguridade previdenciária. Para os homens, o panorama é diferente. A legislação de 2008, vinculada ao programa Empresa Cidadã, possibilita a ampliação da licença para 20 dias em troca de incentivos fiscais às empresas que aderem a essa extensão, mas essa licença não possui natureza previdenciária. Para Covre, isso fragiliza o conceito da licença-paternidade.
Entre os projetos que tramitem atualmente, o que está mais avançado é o PL 3.773/2023, de autoria do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), que visa à ampliação gradual do período de licença-paternidade, começando com 30 dias nos dois primeiros anos para, posteriormente, chegar a 60 dias. O projeto já recebeu aprovação da Comissão de Direitos Humanos (CDH) na forma de um substitutivo elaborado pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e está atualmente em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), aguardando a designação de um relator.
Em relação à licença parental, também existem propostas no Congresso que abordam essa modalidade de licença, em que o período de afastamento é compartilhado entre pai e mãe. No entanto, Covre destaca que não há um cenário promissor para a aprovação desses projetos no Brasil. “É um reflexo da maturidade cultural e institucional da sociedade. Por agora, nosso foco continua sendo o avanço da licença-paternidade”, diz.
De acordo com um estudo da CoPai realizado em julho de 2024, que revela a percepção da população sobre a licença-paternidade, somente 27% dos brasileiros afirmam conhecer bem o tema. Além disso, 92% dos entrevistados apoiam um aumento no período de afastamento pago pelo governo — 92% apoiam a ampliação para 15 dias, 63% para 30 dias, 35% para 60 dias e 25% para 120 dias. Vinte e cinco por cento acreditam que o período deve ser igual ao concedido às mulheres, enquanto 12% desejam um aumento superior a 120 dias.
A professora de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), Hayesca Costa Barroso, que também coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Maternidade, Parentalidade e Sociedade (GMATER), afirma que a falta de regulamentação da licença-paternidade está conectada a um sistema social que perpetua ideias errôneas sobre os papéis de gênero. “Essas noções estabelecem uma divisão de responsabilidades que afeta o cuidado das crianças e reforça a carga de trabalho da mulher. Para mudar essa dinâmica, precisamos repensar a cultura dos cuidados e buscar soluções que tratem das desigualdades de gênero,” conclui.