A aridez está se espalhando de forma preocupante por várias regiões produtoras de cacau ao redor do mundo. Para preservar essas áreas, algumas medidas precisam ser adotadas.
Nos últimos anos, os preços do chocolate dispararam, impulsionados por condições climáticas extremamente secas, especialmente na África e no Brasil. Esse aumento exorbitante é um reflexo da crescente desertificação das terras, um problema exacerbado pelas mudanças climáticas. Em 14 de fevereiro, celebra-se o Dia de São Valentim, uma data que tradicionalmente está associada ao consumo de chocolates. No entanto, a planta responsável por essa iguaria enfrenta um desafio urgente. Regiões como o Nordeste do Brasil, que é uma das principais áreas de cultivo de cacau, estão enfrentando uma aridez crescente, resultando em uma secagem contínua da terra. O cacau, derivado das sementes do cacaueiro, depende de climas úmidos para se desenvolver. As plantações e os agricultores que dependem dessas culturas estão em uma luta constante pela sobrevivência em um cenário tão adverso.
Essa crise não se limita ao Brasil. Na África Ocidental, onde 70% do cacau mundial é cultivado, assim como em outras partes da América e do Sudeste Asiático, as variações na umidade estão ameaçando a delicada condição necessária para a produção eficaz de cacau. Essas regiões, reconhecidas por seus ecossistemas vibrantes e sua capacidade de alimentar o mundo, estão na linha de frente dessa crise silenciosa de aridez.
Estudos recentes indicam que, nos últimos 30 anos, mais de três quartos da superfície terrestre do planeta se tornaram mais secos. Um relatório coordenado pela Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação revela que 41% das terras globais enfrentam condições de aridez, representando uma expansão de quase 4,3 milhões de quilômetros quadrados nas últimas três décadas, um espaço equivalente à metade da Austrália. Essa secura progressiva não é apenas um fenômeno climático passageiro; é uma transformação a longo prazo que pode ter consequências irreversíveis, afetando ecossistemas, práticas agrícolas e os meios de subsistência locais.
Mas o que está por trás do aumento da aridez? Embora frequentemente associada a fatores climáticos, a aridez resulta de uma complexa interação de fatores, fortemente influenciados pelas atividades humanas. Entre esses fatores, destacam-se as emissões de gases de efeito estufa, as práticas inadequadas de uso da terra e a degradação de recursos naturais fundamentais, como o solo e a biodiversidade. Essas situações interligadas estão acelerando a transformação de paisagens antes produtivas em regiões áridas, afetando ecossistemas e economias em escala global.
As alterações climáticas ocasionadas pelas atividades humanas têm sido o principal motor do aumento da aridez. As emissões provenientes da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento elevam a temperatura média do planeta. Esse aumento térmico resulta em uma evaporação mais rápida da umidade, reduzindo a disponibilidade de água no solo e nas plantas. Mesmo em áreas que recebem chuvas moderadas, a escassez hídrica se torna um problema crônico. A aceleração desse processo começou na década de 1950 e, nas últimas três décadas, tornou-se ainda mais acentuada, especialmente em regiões vulneráveis a secas, como o Sahel africano e a região do Mediterrâneo. Nelas, a diminuição das precipitações, aliado ao aumento da evaporação, cria um ciclo de retroalimentação que intensifica ainda mais as condições de aridez.
Além das mudanças climáticas, práticas agrícolas insustentáveis, como o sobrepastoreio e o desmatamento, têm um impacto significativo na saúde do solo. Essas ações removem a cobertura vegetal, tornando os solos vulneráveis à erosão. Métodos agrícolas industriais frequentemente priorizam a produção imediata em detrimento da durabilidade, resultando em solos empobrecidos de nutrientes e matéria orgânica. No Nordeste do Brasil, por exemplo, o desmatamento para expandir áreas agrícolas perturba os ciclos locais de água e expõe os solos à degradação. Sem vegetação para mantê-los, as camadas superficiais dos solos, vitais para o crescimento das plantas, são arrastadas pela água da chuva ou levadas pelos ventos, levando à perda de nutrientes essenciais. Esse ciclo cria um efeito dominó: solos degradados retêm menos água, aumentando o escoamento e diminuindo a capacidade de recuperação das terras.
O solo desempenha um papel crucial na mitigação da aridez, embora muitas vezes seja negligenciado nas discussões sobre resiliência climática. Solos saudáveis funcionam como reservatórios, armazenando água e nutrientes indispensáveis para o desenvolvimento das plantas, além de suportarem a biodiversidade, tanto abaixo como acima da superfície. A diversidade microbiana encontrada em uma colher de chá de solo é imensurável e essencial para os ciclos de nutrientes e o equilíbrio ecológico. Entretanto, a degradação do solo, provocada pela aridez e manejo inadequado, diminui essa biodiversidade. Os microrganismos vitais para a saúde das plantas são reduzidos e, à medida que os solos se tornam compactados e perdem sua matéria orgânica, sua capacidade de reter água diminui, aumentando ainda mais a vulnerabilidade ao ressecamento. Em suma, a deterioração da saúde do solo desencadeia uma série de efeitos que impactam ecossistemas, a produtividade agrícola e a segurança alimentar.
O cacau não é a única cultura afetada pela aridez crescente; várias áreas agrícolas cruciais, que são celeiros globais, também estão sob ameaça. No Mediterrâneo, no Sahel e em partes do oeste dos Estados Unidos, a aridez já causa prejuízos significativos à agricultura e à biodiversidade. Até 2100, até 5 bilhões de pessoas podem viver em terras áridas, quase o dobro da população atual nessas regiões, resultando de um crescimento populacional combinado com a expansão das áreas secas, em um contexto de aumento da temperatura global. Esse cenário pressiona severamente os sistemas alimentares e pode acelerar a migração, pois a diminuição na produtividade agrícola, falta de água e agravamento das condições de vida forçam populações rurais a deslocarem-se em busca de melhores oportunidades.
Os impactos da aridez vão além da agricultura. Ecossistemas já sobrecarregados por desmatamento e poluição enfrentam um estresse adicional devido à diminuição da disponibilidade de água. Fauna e flora se veem forçadas a migrar ou, em muitos casos, perecer, enquanto espécies de plantas que dependem de umidade não conseguem sobreviver. As pastagens frágeis do Sahel, por exemplo, são rapidamente substituídas por vegetação típica de desertos. Globalmente, as perdas econômicas associadas à aridez são alarmantes. Na África, a aridez levou a uma redução de 12% no PIB entre 1990 e 2015. Fenômenos como tempestades de areia, incêndios florestais e escassez hídrica adicionam mais pressão sobre autoridades governamentais, exacerbando a pobreza e as crises de saúde nas áreas mais afetadas.
Apesar dos desafios, a aridez não é uma fatalidade; seus efeitos podem ser mitigados. Esforços globais coordenados são fundamentais para conter sua progressão. Nações podem colaborar para restaurar terras degradadas, proteger e reabilitar ecossistemas, promover a saúde do solo e incentivar práticas agrícolas sustentáveis. Comunidades locais podem gerenciar melhor os recursos hídricos por meio da coleta de água da chuva e sistemas avançados de irrigação. Os governos têm um papel essencial na redução das causas das mudanças climáticas, investindo em fontes de energia renováveis. É vital a colaboração internacional, incluindo parcerias com empresas, para compartilhar tecnologias que possam facilitar a implementação dessas ações. Portanto, ao saborear um chocolate no Dia de São Valentim, é essencial ter em mente os ecossistemas fragilizados que fazem parte dessa produção. O cacau alcançou, no início de 2025, um preço que se aproxima de seu recorde histórico, em grande parte devido à seca na África. Sem ações urgentes para enfrentar a aridez, esse cenário pode se tornar mais comum, transformando o cacau e suas delícias em um luxo raro. A luta coletiva contra a aridez não se limita a preservar o chocolate, mas visa garantir que nosso planeta continue capaz de sustentar a vida.
Narcisa Pricope participa da Interface Ciência-Política da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, contribuindo para converter descobertas científicas em recomendações práticas para políticas públicas, interagindo com diversos painéis e entidades científicas.