Na divulgação dos dados do payroll nesta sexta-feira, o cenário do mercado de trabalho dos Estados Unidos revela um quadro ainda aquecido, porém sugerindo uma leve acomodação. Economistas destacam que, mesmo com a taxa de desemprego em níveis baixos, a elevação dos salários pode fazer o Federal Reserve (Fed) agir com cautela em sua próxima reunião de política monetária.
Em janeiro, os Estados Unidos criaram 143 mil postos de trabalho, um número abaixo das expectativas que previam a criação de 170 mil vagas. No entanto, revisões para cima nos dados de novembro e dezembro acrescentaram 100 mil postos em relação às estimativas anteriores. Além disso, os salários aumentaram 4,1% em relação ao ano anterior, um índice que não está alinhado com a meta de 2% para a inflação.
De acordo com André Valério, economista sênior do Inter, o resultado é coerente com uma dinâmica de pouso suave na economia americana, observando uma desaceleração na criação de empregos em setores cíclicos, enquanto os serviços continuam a mostrar robustez. "Do ponto de vista da política monetária, este resultado não altera as expectativas desde a última reunião. As incertezas quanto à implementação das tarifas sob a administração Trump estão dominando a pauta", comenta Valério. Ele prevê uma nova pausa do Fed na reunião de março, mas ainda vislumbra a possibilidade de dois cortes nas taxas ao longo do ano.
Andressa Durão, economista do ASA, também acredita que o mercado de trabalho deve continuar a expandir-se em um ritmo sólido. "Para o Fed, os dados reforçam uma abordagem cautelosa e sustentam a manutenção das taxas de juros atuais nas próximas reuniões, enquanto se avaliam os riscos à inflação", afirma. As revisões favoráveis nos números de novembro (+49 mil) e dezembro (+51 mil) elevaram a média móvel trimestral de crescimento do emprego para um patamar elevado. Durão sugere que, ao considerar os dados dos últimos seis meses, observa-se um crescimento significativo no emprego.
Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank, também analisa a situação e verifica que o mercado de trabalho permanece aquecido, trazendo pressões sobre os preços, especialmente no setor de serviços. "Por enquanto, mantemos a expectativa de dois cortes de juros pelo Fed neste ano, mas reconhecemos que a autoridade provavelmente adotará uma postura mais cautelosa em sua tentativa de controlar a inflação", destaca Salles.
O economista ressalta que existem muitas incertezas em relação às políticas que o novo governo dos Estados Unidos ainda deve implementar. "As políticas anunciadas pelo presidente Donald Trump, principalmente em relação à imigração e tarifas, podem aumentar a inflação e limitar as opções para cortes de juros pelo Fed", diz.
Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, ao analisar os dados por setores, nota que o varejo liderou as contratações em janeiro. Ele também menciona que o governo Trump já iniciou diversas demissões no setor público, o que pode impactar os dados do payroll em fevereiro e resultar em uma criação de vagas mais fraca. "Observe que a maior queda na taxa de desemprego ocorreu entre trabalhadores com menor nível educacional. Aqueles sem diploma de 'high school' ou com apenas o ensino médio foram os que mais conseguiram emprego. Como este grupo tende a ter salários mais baixos, o crescimento salarial geral não se mostrou tão expressivo. Já entre profissionais com graduação, a taxa de desemprego diminuiu de 2,4% para 2,3%, um número já bastante baixo, limitando possiblidades de avanços substanciais", explica Cruz.
Cruz também aponta que o aumento dos salários é significativo. "Há um ano, a remuneração por hora era de US$ 34,47, e agora está em US$ 35,87. Isso representa um ganho semanal de US$ 1.223,17, o que pode estimular o consumo, mas também gerar pressão inflacionária", alerta.
Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad, corrobora que os números do relatório de emprego de janeiro validam a principal mensagem da última reunião do FOMC, que indica um quadro econômico estável na América, marcado por um baixo índice de desemprego e inflação acima da meta – o índice PCE de dezembro registrou 2,6%. "Isso não modifica o contexto de restrições para o retorno ao ciclo de flexibilização monetária", conclui Igliori.
Para os analistas, as expectativas embutidas nos contratos de juros atualmente indicam que o próximo corte pelo Fed não deve ocorrer antes de junho. "Iniciamos o ano enfrentando um cenário preocupante para a inflação nos EUA e as projeções de mais dois cortes de 0,25 pontos percentuais nas taxas estão sob risco", ressaltam.
Vale ressaltar que, apesar de ainda não estarem claras as políticas comerciais e de imigração do novo governo, ambas têm potencial para exercer pressões adicionais sobre a inflação. "Com a atual perspectiva, temos pela frente mais um ano de juros elevados e pressão sobre a taxa de câmbio", conclui o economista.