A dívida pública brasileira apresenta uma mudança significativa em sua composição, com a expectativa de que, ao final deste ano, mais da metade da dívida esteja atrelada à taxa Selic. Esse cenário é alarmante e marca a primeira vez em 20 anos que isso ocorre. A informação foi divulgada pelo Tesouro Nacional em seu Plano Anual de Financiamento (PAF), que projeta que a proporção de títulos pós-fixados deve variar entre 48% e 52% do total da dívida. Em 2023, essa participação era de 39,66%, e no ano anterior foi de 46,29%. Com as novas projeções, a participação deverá subir para, no mínimo, 48%.
Especialistas do mercado financeiro destacam que essa mudança é necessária, porém, ela pode deteriorar ainda mais o perfil da dívida brasileira, além de gerar incertezas sobre a saúde fiscal do país. A situação é reflexo de um cenário macroeconômico repleto de incertezas. O Tesouro Nacional observa que o ciclo de afrouxamento monetário nos Estados Unidos deve terminar em 2026, com juros previstos de 3%, mas sem uma recessão econômica significativa naquele país.
No âmbito interno, o entendimento é que a percepção fiscal será um fator chave. Problemas como tensões geopolíticas e um protecionismo econômico em leve ascensão, combinados com um dólar forte e juros externos elevados, podem impactar negativamente os preços e as taxas de juros no Brasil. De acordo com Tiago Sbardelotto, economista da XP, a decisão de alterar a composição da dívida está ligada ao alto volume de títulos prefixados que vencerão em 2025, totalizando R$ 583 bilhões, em contraste com R$ 407 bilhões indexados à Selic e R$ 241 bilhões vinculados à inflação. "Para manter a composição, o governo precisaria homologar uma taxa de juros maior, pois o prêmio de risco atual é bem mais elevado do que aquele vigente quando a dívida prefixada foi emitida", explica Sbardelotto.
Diante desse ambiente incerto, os investidores estão se tornando mais cautelosos, optando por evitar títulos prefixados e preferindo a segurança e a rentabilidade promissora do Tesouro Selic. "O governo acredita que os financiadores da dívida brasileira, independentemente dos preços atuais para os títulos prefixados e para os papéis indexados à inflação, escolhem preferir o conservadorismo que um Tesouro Selic oferece, onde os potenciais prejuízos são mínimos", afirma Roberto Motta, estrategista da Genial Investimentos.
Claudio Pires, sócio-diretor da MAG Investimentos, elucida que o ciclo de alta de juros e a deterioração da situação fiscal estabelecem um cenário desvantajoso para os títulos prefixados. "Assim, a diminuição na emissão desses papéis alivia a pressão sobre o mercado e tende a reduzir a volatilidade. Essa não é uma boa fase para ativos prefixados, especialmente em um quadro de deterioração fiscal", argumenta.
A XP, em um relatório, avisa que "não há boas opções em um cenário tão difícil" e afirma que o governo optou por piorar o perfil da dívida, encurtar os prazos de vencimento ou aceitar um prêmio maior. Segundo a análise, o mais provável é que o governo aceite o aumento da proporção de títulos pós-fixados para preservar os vencimentos e evitar prêmios mais altos.
Pires também enfatiza que essa decisão não apenas agrava o perfil da dívida, mas diminui significativamente a eficácia da política monetária. Quando o Banco Central eleva a taxa de juros, quem possui títulos prefixados e atrelados à inflação tende a enfrentar perdas na marcação a mercado, o que pode ajudar no controle da atividade econômica e da inflação. Por outro lado, os investidores com papéis pós-fixados se beneficiam do aumento das taxas de juros, dificultando o trabalho do Banco Central. Ele ainda aponta que "o perfil da dívida doméstica é, indubitavelmente, um dos principais elementos que contribuem para a elevação das taxas de juros no Brasil".
Outro aspecto preocupante para o país é assumir uma dívida sem clareza quanto ao seu custo futuro. Motta destaca: "Ninguém pode prever qual será a Selic no futuro, e essa falta de previsibilidade não é benéfica para o governo".
Por outro lado, a XP ressalta que o PAF é apenas uma diretriz e não implica que o Tesouro seguirá rigidamente as projeções feitas. Apesar das desvantagens reconhecidas, Claudio Pires considera que a ação do Tesouro Nacional pode ter sido a mais acertada dentro do contexto econômico atual. "A estratégia parece adequada dada a conjuntura, embora não benefícios para a atuação do Banco Central em seu objetivo de controle da inflação e atingimento de metas econômico-financeiras".
Sbardelotto conclui que, "frente à incerteza atual, o Tesouro optou por realizar essa mudança para evitar a validação de taxas maiores nos títulos prefixados e reduzir os custos a curto prazo. É difícil afirmar se essa é a melhor decisão, mas o órgão toma suas escolhas com base no cenário atual". A resolução do problema que afeta a dívida pública e confere oportunidades ao mercado financeiro requer um rigoroso ajuste fiscal. "A solução passa pela conquista de credibilidade ao ponto de atrair novamente o interesse dos investidores nas taxas prefixadas e na inflação", finaliza Motta. "Apenas um ajuste fiscal bem sinalizado pode fazer com que o Brasil recupere a confiança dos investidores e retome o financiamento com taxas mais favoráveis".