O Ministério Público Federal (MPF) intensificou suas atividades e, nos últimos meses, instaurou inúmeras investigações para monitorar um total de pelo menos R$ 450 milhões em emendas pix destinadas por deputados e senadores a diferentes cidades do Brasil. Este movimento surge em meio a preocupações sobre a transparência desses repasses e a possibilidade de novos escândalos de corrupção, o que levou à formação de uma força-tarefa responsável por exigir que prefeitos de mais de 400 municípios apresentem a devida prestação de contas relacionada ao dinheiro federal recebido.
Uma das características inquietantes desta modalidade de emenda são os critérios de repasse, que parecem imprecisos. A disparidade no valor recebido por diferentes municípios é especialmente alarmante: Carapicuíba (SP), Boa Vista (RR), Bonfim (RR), Osasco (SP) e Caroebe (RR) receberam montantes significativos, apesar de variarem drasticamente em termos de população, que vai de 10,6 mil a 728 mil habitantes.
No período entre 20 de agosto do ano passado e 31 de janeiro deste ano, foram abertas 229 investigações para monitorar repasses realizad posteriormente a 224 cidades em oito estados, envolvendo pelo menos 114 parlamentares. A CNN analisou uma extensa documentação publicada pelo MPF, totalizando 4.222 páginas, que revela detalhes sobre os municípios beneficiados, as emendas, os parlamentares e os valores transferidos.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) já expressou preocupação a respeito desses repasses, tendo solicitado ao Supremo Tribunal Federal (STF) que declare inconstitucional essa modalidade de emenda. Embora houvesse uma suspensão no pagamento das emendas pix devido à falta de critérios substantivos de rastreabilidade e transparência, a autorização foi reestabelecida, com condições que exigem a elaboração prévia de um plano de trabalho e a utilização de contas específicas para movimentações financeiras. Em decorrência dessas investigações, os prefeitos foram convocados a fornecer informações sobre as contas bancárias criadas para gerenciar os recursos recebidos, além de prestarem contas sobre o total despendido e os fins específicos para os quais os recursos foram utilizados no último ano.
Caso irregularidades sejam detectadas nos repasses e na utilização dos recursos, as investigações poderão resultar em ações diretas contra os prefeitos. Para deputados e senadores, a investigação só pode ser conduzida pelo STF a pedido do procurador-geral, e já existem pelo menos 15 investigações em andamento nesse sentido, abordando o mal uso de verbas públicas por parlamentares. As apurações de desvios relacionados a emendas estão concentradas em seis ministérios.
Além desses 229 procedimentos, outros 234 foram iniciados sem especificação clara sobre emendas, parlamentares ou valores. Dados obtidos pela CNN através da plataforma Siga Brasil revelam que, de forma geral, foram destinados ao menos R$ 743 milhões a municípios discutidos de forma não específica pelo MPF. O volume das emendas pix alcançou um aumento considerável em 2024, totalizando R$ 7,7 bilhões, quase 13 vezes mais que os R$ 621 milhões alocados em 2020.
As emendas parlamentares, conhecidas como emendas pix, são uma forma de direcionamento de recursos a estados, ao Distrito Federal e a municípios sem a necessidade de um convênio formal com o governo federal. Isso possibilita identificar a origem dos repasses, porém não esclarece como os recursos estão sendo utilizados pelos municípios beneficiados.
Os procuradores têm destacado em seus comunicados que as emendas pix dificultam o controle na aplicação dos recursos federais, podendo servir como um "instrumento deturpador das práticas republicanas". A abertura dessas investigações é parte de uma iniciativa da PGR, através da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão, que busca padronizar os métodos de combate à corrupção adotados pelo MPF em todo o país.
Analistas do MPF expressam que essa nova abordagem pode representar um marco no funcionamento do órgão, que antes aguardava ações por parte de políticos ou autarquias de controle para investigar irregularidades. A iniciativa de monitoramento, segundo fontes internas, visa avançar na fiscalização em tempo real dos recursos públicos.
Carapicuíba, uma das cidades sob investigação, possui 386 mil habitantes e recebeu até agora um total de R$ 23,5 milhões em recursos. Boa Vista, com 413 mil habitantes, foi alocada em ao menos R$ 18,6 milhões, enquanto Bonfim, um município com apenas 13,9 mil residentes, recebeu a expressiva quantia de R$ 16,7 milhões. Em contraste, Osasco, com 728 mil habitantes, obteve R$ 16 milhões, e Caroebe, que possui somente 10,6 mil moradores, recebeu R$ 14,2 milhões.
Os maiores repasses investigados pelo MPF foram feitos pelos senadores Dr. Hiran (PP-RR), Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e Chico Rodrigues (PSB-RR), além dos deputados Marco Feliciano (Republicanos-SP) e Gabriel Mota (Republicanos-RR). Esses parlamentares juntos alocaram R$ 121 milhões para mais de 30 municípios. Os partidos que mais destinaram emendas pix integram o centrão, com os deputados e senadores do Republicanos, União, Progressistas, Partido Liberal e PSD repassando aproximadamente R$ 310 milhões a municípios sob investigação.
O analista de Planejamento e Orçamento do governo federal, Humberto Nunes Alencar, ressalta três principais críticas às emendas pix. A primeira é a falta de transparência em relação ao uso dos recursos. A segunda crítica refere-se à desigualdade nos valores destinados a diferentes municípios, e por fim, Alencar menciona um descompasso entre investimentos e custos permanentes. Ele observa, por exemplo, que uma prefeitura que utiliza recursos de emendas pix para construir uma escola acaba enfrentando custos de manutenção e funcionamento, que podem não ser garantidos a longo prazo, criando um ciclo problemático de estruturação de serviços essenciais, como creches, hospitais e unidades de saúde, que podem operar sem os recursos necessários para sua manutenção ao longo do tempo.