Um tratamento inovador está se destacando no combate a diversos tipos de tumores, apresentando menos efeitos colaterais em comparação à radioterapia tradicional. Além disso, esse método revolucionário leva menos de um segundo para ser aplicado.
Nos arredores de Genebra, na Suíça, pesquisadores estão realizando experimentos em vastas cavernas subterrâneas, que visam desenvolver uma nova geração de máquinas de radioterapia. A expectativa é que esses dispositivos possibilitem a cura de tumores cerebrais complexos e cânceres metastáticos, ao mesmo tempo em que reduzem o impacto dos tratamentos oncológicos no organismo.
Esses testes estão ocorrendo no Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN), famoso por criar o Grande Colisor de Hádrons, um acelerador de partículas de 27 quilômetros que permite a aceleração de partículas próximas à velocidade da luz.
Embora o CERN tenha sido amplamente reconhecido pela descoberta do bóson de Higgs em 2012, sua experiência em aceleração de partículas de alta energia encontrou um novo propósito na radioterapia. Em 2011, a radiobióloga Marie-Catherine Vozenin propôs uma abordagem inovadora, chamada Flash, que consiste na entrega de radiação em doses ultraelevadas em menos de um segundo. Essa técnica demonstrou a capacidade de destruir tumores em roedores, preservando setores saudáveis do tecido.
Esse avanço inicial despertou o interesse de especialistas internacionais, levando a novas investigações sobre o método Flash em uma variedade de tumores, abrangendo desde roedores até pacientes humanos. O conceito vem desafiando algumas das limitações conhecidas da radioterapia convencional, que, atualmente, é uma das principais formas de tratamento para câncer, com dois terços dos pacientes oncológicos passando por essa terapia em algum momento de suas jornadas.
A abordagem tradicional de radioterapia geralmente implica a exposição a radiação por um período de dois a cinco minutos, com várias sessões distribuídas ao longo de até oito semanas. Essa sequência visa tornar o tratamento mais suportável.
A radioterapia convencional utiliza principalmente raios X e exige uma exposição a tecidos cancerígenos por um tempo considerável. Com o avanço dos testes de imagem e da tecnologia, as máquinas modernas têm conseguido alcançar tumores de maneira mais precisa. No entanto, ainda existem riscos de efeitos colaterais graves.
Um exemplo mencionado por Vozenin é o tratamento de tumores cerebrais pediátricos, que podem ser curados pela radioterapia, mas acarretam consequências severas. Ela explica: "Os sobreviventes frequentemente enfrentam ansiedade e depressão ao longo da vida devido ao impacto da radiação no desenvolvimento cerebral, resultando em perda significativa do QI."
O professor Billy Loo, da Universidade de Stanford, ressalta a dificuldade de tratar tumores grandes. Frequentemente, o tecido saudável ao redor não pode ser preservado, impossibilitando que os oncologistas utilizem doses mais altas de radiação devido ao risco de danos.
Por muito tempo, a comunidade médica acreditou que o aumento das doses de radiação poderia resultar em melhores taxas de cura para tumores complicados. Estudos com animais mostraram que a técnica Flash permite aumentar significativamente a quantidade de radiação enquanto minimiza os efeitos no tecido ao redor. Em um experimento, ratos que passaram por duas sessões de Flash não apresentaram os efeitos colaterais comuns. Outro estudo revelou que animais com tumores de cabeça e pescoço tratadas com Flash mostraram menos complicações, como redução da salivação e dificuldades para engolir.
Loo se mantém esperançoso de que esses resultados também se apresentem em humanos no futuro: "O Flash gera menos lesões no tecido normal do que a radioterapia tradicional, sem comprometer a eficácia anti-tumoral, o que pode ser um marco inovador." Além disso, a abordagem pode reduzir o risco de tumores secundários, que surgem devido a danos causados pela radiação mais tarde na vida.
Atualmente, um número crescente de testes em humanos está sendo iniciado globalmente. O Cincinnati Children's Hospital, em Ohio, está planejando um ensaio clínico inicial com crianças que apresentem câncer metastático nos ossos, enquanto o Hospital Universitário de Lausanne, na Suíça, já está realizando um estudo clínico de Fase 2 focado na eficácia do tratamento e possíveis efeitos colaterais em pacientes com câncer de pele localizado.
Entretanto, a pesquisa não se limita apenas a verificar a eficácia da abordagem Flash; é crucial também determinar qual tipo de radiação é mais adequada. Desde íons de carbono até prótons e elétrons, cada tipo de radiação possui suas particularidades. A hadronterapia é considerada uma das formas mais precisas, mas ainda está disponível em apenas 14 locais em todo o mundo, com custos estimados em US$ 150 milhões por instalação.
Embora o tratamento convencional demande vários minutos, a proposta é que a técnica Flash aplique íons em menos de um segundo. "Os elétrons de alta energia podem atender a tumores superficiais da pele", diz André-Dante Durham Faivre, oncologista do Hug. "Os fótons e prótons são mais adequados para tumores profundos, enquanto íons de carbono são destinados a casos especiais devido à complexidade do tratamento."
Entretanto, o grande maquinário necessário para realizar tratamentos de Flash pode limitar o acesso dos pacientes, exigindo que eles viagem longas distâncias até centros especializados. Atualmente, os prótons têm sido a opção escolhida para ensaios clínicos, pois podem atingir profundidades consideráveis no corpo.
Recentemente, o Centro Médico da Universidade de Cincinnati iniciou o primeiro ensaio clínico de radioterapia Flash, com os primeiros resultados indicando eficácia comparável à radioterapia convencional, sem aumento significativo de efeitos adversos. Os especialistas da Escola de Medicina Perelman da Universidade da Pensilvânia também planejam iniciar uma pesquisa em pacientes com câncer recorrente na região da cabeça e pescoço.
Embora o Flash tenha o potencial de transformar a radioterapia, ainda existem desafios logísticos. As máquinas necessárias permanecem grandes, limitando a disponibilidade do tratamento a certas instituições. O CERN, em colaboração com o Hospital Universitário de Lausanne e a TheryQ, está trabalhando em um novo tipo de acelerador que fornecerá radiação em níveis ainda mais elevados com elétrons de energia elevada, atendendo às taxas do Flash. O plano é permitir que hospitais comuns adotem essa tecnologia. Durham Faivre acredita que as máquinas Flash, em um futuro próximo, possam substituir as convencionais para oferecer tratamentos mais acessíveis.
Esses avanços tecnológicos podem transformar a radioterapia, especialmente para tumores desafiadores, como o glioblastoma, que possui uma taxa de sobrevivência de apenas 5%. Após os ensaios clínicos em Cincinnati, muitos esperam que a abordagem Flash possa oferecer uma nova esperança para pacientes considerados sem alternativas. Os especialistas acreditam que a estratégia pode destruir tumores primários e secundários, seguida de tratamentos adicionais, como quimioterapia ou imunoterapia.
A expectativa é que a abordagem Flash possibilite tratamentos mais acessíveis, especialmente em países de baixa renda, onde a escassez de máquinas de radioterapia é alarmante. Durante a União Internacional para Controle do Câncer (UICC), em setembro passado, observou-se que existem apenas 195 máquinas desse tipo na África Subsaariana, contrastando com as mais de 4.000 na América do Norte. A demanda por máquinas adicionais na África é projetada para superar 5.000 nas próximas duas décadas, um desafio que a maioria das nações enfrentará.
A análise revelou que cerca de 10% dos pacientes em países de baixa renda têm acesso à radioterapia, em comparação com 90% em países desenvolvidos. Com o projeto Stella, o International Cancer Expert Corps (ICEC) visa desenvolver novos aceleradores que previnam falhas e melhorem a manutenção das máquinas existentes. Durham Faivre acredita que, com tecnologias mais compactas, é possível fornecer o Flash em hospitais de todo o mundo em vez de depender de grandes centros especializados.
Se o Flash se tornar viável globalmente, a meta é aumentar significativamente o número de pacientes tratados em um único dia, tornando o tratamento mais eficiente e acessível. Quando enfrentar demandas crescentes, oferecer mais opções de tratamento representará um avanço significativo na luta contra o câncer.
Esse progresso tem o potencial de reduzir custos em sistemas de saúde de países desenvolvidos, permitindo benefícios substanciais na qualidade de vida dos pacientes. Para isso, o primeiro passo é avaliar o quão eficaz o método Flash é, e confirmar se realmente supera a radioterapia tradicional.
Para mais informações sobre esses avanços, fique atento às novidades na área de medicina oncológica!