Nos primeiros dois anos de governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente enfrentou um cenário de embates com o Poder Legislativo, evidenciando uma nova dinâmica no processo legislativo brasileiro. Um estudo da Action Consultoria revelou que apenas 17,5% das Medidas Provisórias (MPs) apresentadas foram aprovadas pelo Congresso Nacional, o que representa uma queda significativa em comparação a administrações anteriores.
Durante esse período, 19 MPs foram validadas, enquanto 89 caducaram ou foram rejeitadas, sinalizando uma resistência crescente do Legislativo em seguir as diretrizes do Executivo. João Hummel, sócio-fundador da Action, comentou sobre a diminuição da influência do Palácio do Planalto, afirmando: "Cada vez mais o dono da pauta é o Congresso. O poder do toma-lá-dá-cá, que o Executivo tinha, está diminuindo todos os anos."
Essa transição de poder é corroborada por dados sobre a aprovação de projetos de lei. Entre as MPs que não obtiveram êxito, estavam aquelas relacionadas a ajustes fiscais e programas prioritários do governo, como a MP do Carf e a MP do Acredita. Para o deputado Danilo Forte, essa mudança de postura do Congresso, que passou a rejeitar ideias do Executivo, mostra que "o Congresso deixou a postura de subserviência ao Executivo e assumiu as prerrogativas que estão previstas na Constituição."
No primeiro biênio de governos anteriores, as porcentagens de aprovação das MPs foram significativamente mais altas. Em comparação:
Com a nova dinâmica, o Congresso se mostrou mais produtivo do que nunca, apresentando um número recorde de pautas próprias. No ano de 2024, 173 das 223 leis sancionadas tiveram origem em propostas de parlamentares, totalizando 77,5% das legislações, o que representa a segunda maior proporção deste século, perdendo apenas para 2022.
Leis importantes, como o novo marco legal das eólicas offshore, ocorreram sem a participação do Planalto, e em algumas situações, foram aprovadas com a inclusão de emendas que criaram subsídios milionários nas tarifas de energia. Lula vetou diversas dessas emendas, mas a prerrogativa de mantê-las ou rejeitá-las cabe ao Congresso.
A mudança é perceptível, pois, até o fim da década passada, mais de 50% das leis sancionadas eram oriundas de projetos do Executivo. Segundo João Hummel, essa nova configuração exigirá que a sociedade civil se engaje mais ativamente no Legislativo para propor e discutir políticas públicas.
A transição no processo legislativo começou a se intensificar a partir de 2012, com a alteração nas regras de tramitação das MPs. Ao invés de seguirem diretamente para o plenário, as MPs começaram a ser analisadas por comissões mistas, permitindo uma discussão mais aprofundada. Em 2015, a mudança que tornou as emendas individuais impositivas ajudou os deputados e senadores a se desvincularem da pressão exercida pelo governo.
De acordo com Danilo Forte, agora é crucial que o Congresso também participe ativamente na formulação de políticas públicas. O Legislativo é o responsável por aprovar o Plano Plurianual a cada quatro anos, que é essencial para orientar as ações do governo. Essa postura mais proativa do Congresso reflete uma mudança estrutural nas relações de poder em Brasília.