O Brasil e o Uruguai comemoram quatro décadas de retorno às instituições democráticas, um momento ressaltado por Julio María Sanguinetti em seu artigo para a CNN. Este marco representa a recuperação das liberdades, após períodos desafiadores marcados por instabilidades e golpes de Estado.
Duas décadas se passaram desde que João Goulart foi deposto por um golpe militar no Brasil, liderado pelo marechal Castelo Branco. Após essa mudança drástica, tanto Goulart quanto seu cunhado, Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul, estabeleceram-se no Uruguai, um país que se tornou seu novo lar. Brizola, em particular, viveu até o fim de sua vida em Montevidéu, onde mantinha uma propriedade rural e refletia o espírito gaúcho na política. A redemocratização nos dois países ocorreu em março de 1985, um ano significativo para a história da América Latina.
A transição democrática no Brasil foi marcada por eventos dramáticos em meados de março de 1985, quando uma grave diverticulite impediu Tancredo Neves de assumir a presidência. Neste contexto de incerteza, José Sarney, o vice-presidente eleito, assumiu a liderança interina. Ele enfrentou a dúvida se a situação gerava uma vacância ou uma interinidade no governo. Sarney acabou se consolidando como um líder sereno e prudente, e logo se tornaria um grande presidente do Brasil.
Durante seu governo, o Brasil buscou restaurar e promover liberdades, desenvolvendo relacionamentos amistosos com países vizinhos. Um exemplo foi a oferta ao presidente argentino Raúl Alfonsín para visita às instalações de pesquisa nuclear do Brasil, uma ação que buscava eliminar desconfianças históricas entre as Forças Armadas brasileiras e argentinas. Alfonsín reciprocou com uma visita ao programa nuclear argentino, levando a um fortalecimento das relações trilaterais entre Brasil, Argentina e Uruguai, e dando origem às bases do Mercosul. Este processo de integração alcançou seu auge entre 1991 e 1999, mas sofreu estagnação nos anos seguintes, especialmente devido a violações dos acordos sob governos kirchneristas na Argentina.
Sanguinetti, ao refletir sobre esses 40 anos, destaca a importância da amizade e camaradagem cultivadas ao longo do tempo com Sarney. O ex-presidente brasileiro é descrito como um escritor versátil, capaz de transitar entre o regionalismo e a novela histórica europeia, habitando uma casa clássica em São Luís do Maranhão, onde possui uma vasta biblioteca reminiscentes da atmosfera de "O Nome da Rosa", de Umberto Eco.
Apesar das dificuldades enfrentadas, incluindo crises econômicas e renúncias de presidentes, os três países mantiveram-se leais à constitucionalidade. O Uruguai, em particular, tem demonstrado uma política mais estável, alternando no poder entre suas principais forças políticas: o Partido Colorado, o Partido Nacional e a Frente Ampla. Recentemente, Luiz Lacalle Pou, do Partido Nacional, deixou o cargo com alta popularidade, enquanto Yamandú Orsi, da Frente Ampla, assumiu a presidência.
A comemoração do marco histórico em Brasília ocorre em um contexto global complicado, marcado por uma pandemia que revelou as falhas da solidariedade internacional e por guerras que desafiam a paz. Além disso, uma transformação geopolítica drástica impõe novas realidades no Ocidente, caracterizada por uma mudança nas regras do direito internacional e do comércio, em resposta a um governo americano que age em prol de interesses nacionalistas. O futuro permanece incerto, sem definição clara entre guerra e paz.
Diante desse panorama, Sanguinetti convoca a todos a valorizar e proteger os legados construídos ao longo desses anos de democracia, enfatizando a necessidade de cuidar do que foi conquistado e que não é insignificante. A reflexão final expressa a importância de preservar as instituições democráticas e a paz que as acompanha, pedindo ao público para refletir sobre o que foi alcançado até aqui.
Julio María Sanguinetti, duas vezes presidente do Uruguai e uma notável figura política e intelectual, compartilha suas reflexões sobre este importante momento histórico.