Quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a Covid-19 como uma pandemia em 2020, começou uma corrida global sem precedentes no desenvolvimento de vacinas. Historicamente, levaria anos ou até décadas para criar vacinas, mas a urgência da situação levou a uma mobilização de recursos sem igual. Apenas nos Estados Unidos, foram investidos mais de 18 bilhões de dólares em seis principais vacinas, enquanto a União Europeia aportou um bilhão de euros nas pesquisas.
Além do investimento financeiro, milhões de voluntários participaram ativamente dos testes clínicos. Segundo Sue Ann Costa Clemens, uma renomada infectologista brasileira que coordenou testes para a vacina da Oxford/AstraZeneca, "Foi um processo rápido, porque o mundo parou em um projeto: a Covid. Todas as pessoas trabalhavam basicamente focando nisso". As agências reguladoras também agiram rapidamente para aprovar e registrar as vacinas, permitindo uma variedade de fórmulas serem desenvolvidas simultaneamente.
A China, por exemplo, focou na técnica do vírus inativado para criar a Coronavac, enquanto a Rússia foi pioneira ao registrar a Sputnik, utilizando uma versão viva e inofensiva do vírus como vetor. A Pfizer, com sua vacina de RNA mensageiro, trouxe uma inovação significativa: em vez de usar partes do vírus, ensina as células a produzirem proteínas semelhantes às do coronavírus, preparando o sistema imunológico para combatê-lo.
O dia 8 de dezembro de 2020 marcou um momento histórico, quando Margaret Keenan, uma idosa britânica de 90 anos, se tornou a primeira pessoa a receber a vacina da Pfizer. Nos Estados Unidos, poucos dias depois, a enfermeira Sandra Lindsay foi imunizada, sendo uma das pioneiras na vacinação, enfatizando seu papel em gerar confiança na segurança da vacina.
No Brasil, a enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos e residente da periferia de São Paulo, foi a primeira a receber a dose da vacina contra a Covid-19. Essa nova abordagem no desenvolvimento de vacinas não apenas ajudou a combater a pandemia, mas também abriu novas possibilidades para o tratamento de outras doenças, como o câncer.
Embora o RNA mensageiro tenha sido descoberto em 1960, a pandemia de Covid-19 foi a primeira vez que essa tecnologia foi utilizada em larga escala para vacinas. O Dr. Jordan Green, professor na Universidade Johns Hopkins, explica que as vacinas de RNA demonstraram ser seguras e eficazes, o que leva à expectativa de que elas possam ser aplicadas em várias outras doenças, incluindo diferentes tipos de câncer. "O que aprendemos com o desenvolvimento de vacinas de RNA é que elas são seguras e muito eficazes. Estas mesmas tecnologias também podem ser aplicadas a outras doenças, onde a programação do sistema imunológico é importante. E uma dessas doenças é o câncer", afirmou.
Além das vacinas, o foco da pesquisa também se voltou para o tratamento da Covid-19. Nos Estados Unidos, o antiviral Remdesivir, originalmente desenvolvido para tratar a Hepatite C, mostrou-se eficaz contra a Covid-19 após testes extensivos. O Dr. André Kalil, especialista em infectologia, indicou que este medicamento continua a ser o único aprovado pelo FDA que apresenta efetividade comprovada contra o Sars-Cov-2.
A OMS alertou sobre a necessidade de financiamento contínuo para a pesquisa e desenvolvimento de vacinas e tratamentos. A infectologista Maria Van Kerkhove expressou preocupação: "Muitos dos esforços estão sendo desmantelados, porque não há o mesmo nível de financiamento que tivemos durante a crise".
A adesão da população às vacinas também é crucial para a proteção coletiva. Uma pesquisa do Ministério da Saúde brasileiro mostrou que a cobertura vacinal está abaixo da ideal. Apenas 70% das pessoas se vacinaram, enquanto a meta deveria ser superior a 90% para garantir uma proteção significativa. Dimas Covas, ex-diretor do Instituto Butantan, destacou a importância de se realizar um planejamento eficaz diante dos novos desafios.
Por fim, a infectologista Sue Ann Clemens fez uma reflexão importante: "A gente espera que isso não aconteça novamente, mas estima-se que outras pandemias virão. O fato não é se, mas quando. E nós temos que estar melhor preparados". A Covid-19, com seus desafios e lições aprendidas, deixou legados que continuarão a impactar a saúde pública e a pesquisa médica nos anos vindouros.