De acordo com uma nova pesquisa do Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mais de 21 milhões de brasileiras, ou seja, 37,5% do total de mulheres, relataram ter sofrido algum tipo de violência nos últimos 12 meses. Este percentual marca o ponto mais alto da série histórica da pesquisa "Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil", que começou em 2017. O resultado é 8,6 pontos percentuais superior ao da pesquisa realizada em 2023.
A pesquisa também identifica que cerca de 5,3 milhões de mulheres, representando 10,7% da população feminina no Brasil, reportaram ter sofrido abuso sexual ou foram forçadas a ter relações sexuais contra a própria vontade neste mesmo período, ou seja, aproximadamente uma em cada dez mulheres. No contexto global, o Brasil apresenta um percentual de mulheres que sofreram violência por parceiros ou ex-parceiros maior que a média global, com 32,4% contra 27% conforme relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança, destacou que os números refletem a realidade alarmante da situação das mulheres no país. "O Brasil é um dos países mais violentos do mundo e isso se reflete no dia a dia das mulheres. A pesquisa mais uma vez nos mostra que elas estão desprotegidas dentro de suas próprias casas, convivendo com os agressores, que muitas vezes estão em seu círculo íntimo, sejam parceiros, ex-parceiros, parentes ou conhecidos," declarou.
Ela ressalta que, apesar dos esforços de governos e a exposição de casos em destaque nacional ao longo dos anos, "as iniciativas para frear essa epidemia de violência têm sido insuficientes". Uma parcela significativa, 91,8%, das agressões ocorreu na presença de terceiros, sendo que 47,3% dos casos aconteceram diante de amigos ou conhecidos, 27% na presença de filhos e 12,4% na presença de outros parentes.
Samira expressou sua surpresa ao constatar que nove em cada dez mulheres que sofreram violência vivenciaram isso na frente de alguém conhecido, enquanto apenas 7% tiveram essa experiência na presença de desconhecidos. "Isso nos chocou," afirmou.
Recentemente, um trágico incidente em São Paulo, onde um jovem de 22 anos foi baleado ao tentar defender uma mulher agredida, ilustra a gravidade da situação. O jovem havia apenas pedido ao agressor para parar, mas essa ação resultou em sua morte.
Samira Bueno comenta que as reações de testemunhas a agressões físicas tendem a ser diferentes das reações a agressões verbais. "Somos menos coniventes com a agressão física. Muitas mulheres enfrentam formas de violência que incluem ameaças, intimidação e violência psicológica, mas a sociedade muitas vezes não reconhece isso como violências graves, o que acaba fortalecendo essas práticas," destacou.
O impacto da violência também se estende às crianças. O alto índice de agressões ocorrendo na presença de filhos levanta sérias questões sobre o efeito da violência doméstica e familiar. Estudos comprovam que ser testemunha de violência pode ter consequências prejudiciais para as crianças, muitas vezes mais severas do que a violência direta.
"O convívio em ambientes de conflitos intensos está correlacionado a distúrbios emocionais e comportamentais, fazendo com que as crianças vejam sua família como um espaço inseguro," alertou a pesquisa. Além disso, a exposição a essas situações pode perpetuar a violência entre gerações, com crianças que testemunham abusos tendo maior probabilidade de se tornarem vítimas ou agressores na vida adulta.
O levantamento, apoiado pela Uber, entrevistou 2.007 pessoas com mais de 16 anos em 126 municípios brasileiros entre 10 e 14 de fevereiro de 2025, possuindo uma margem de erro de dois pontos percentual.
Em relação aos tipos de violência, os dados apontam que 31,4% das mulheres relataram ofensas verbais; 16,9% foram vítimas de agressão física; 16,1% enfrentaram ameaças de agressão e 10,7% sofreram abuso sexual. Essa última estatística envolve cerca de 5,3 milhões de mulheres. Esta pesquisa também introduziu um novo item, onde 3,9% das entrevistadas mencionaram a divulgação não consensual de fotos íntimas, afetando praticamente 1,5 milhão de brasileiras.
As estatísticas sobre agressores revelam que os parceiros íntimos ou ex-parceiros são os mais comuns, com 40% dos casos sendo cometidos por cônjuges, companheiros ou namorados, e 26,8% por ex-parceiros. A residência foi identificada como o local mais frequente de ocorrência de violência, com 57% das mulheres indicando que as agressões mais graves ocorreram em suas casas.
Além disso, o perfil das vítimas é diversificado, com mulheres entre 25 e 34 anos apresentando maior vulnerabilidade. Em relação à educação, as mulheres com ensino superior relataram mais ofensas verbais, enquanto aquelas com nível fundamental experienciaram formas mais graves de violência. Dados raciais também mostram que 37,2% das mulheres negras relataram ter enfrentado violência, destacando a intersecção entre raça e violência.
Uma análise detalhada dos resultados da pesquisa revela que 49,6% das mulheres com 16 anos ou mais foram vítimas de assédio no último ano. Tipos comuns de assédio incluem cantadas em ruas e comentários desrespeitosos, reportados por 40,8% das entrevistadas, além de assédio nos locais de trabalho e transporte público.
As reações das vítimas à violência demonstram que 47,4% das mulheres não reagiram a agressões mais graves, enquanto outras buscaram apoio familiar ou de amigos. Uma porcentagem reduzida, apenas 25,7%, procurou ajuda de órgãos oficiais.
A pesquisa também ressaltou a importância de ajudar as mulheres a romperem o ciclo de violência. É crucial que haja políticas públicas que proporcionem redes de apoio e segurança para que as mulheres se sintam à vontade para sair de relações violentas.
Em caso de emergência, as vítimas devem ligar para 190, e, para situações que não requerem intervenção imediata, o número 180 está disponível. Existem várias ONGs que oferecem acolhimento e suporte para vítimas de violência, como o Mapa do Acolhimento, a ONG Justiceiras, e o Instituto Maria da Penha, entre outros.