Um novo levantamento aponta que quase 17% das mulheres brasileiras enfrentaram alguma forma de violência, como batidas, tapas, empurrões ou chutes, nos últimos doze meses. Esta pesquisa, realizada pelo Datafolha sob encomenda do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela que aproximadamente 8,9 milhões de mulheres foram expostas a essa triste realidade.
Os dados são alarmantes e mostram um aumento significativo: esta é a maior porcentagem registrada na série histórica da pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, que foi iniciada em 2017. O percentual atual é quase seis pontos percentuais maior do que o apresentado na pesquisa anterior, realizada em 2023.
Em números absolutos, cerca de 21,4 milhões de mulheres no Brasil, o que equivale a 37,5% do total de mulheres do país, relataram ter sofrido algum tipo de agressão nos últimos 12 meses. Este também é o maior percentual já observado na pesquisa.
Segundo Manoela Miklos, pesquisadora sênior do Fórum, o crescimento das agressões pode ser atribuído a três fatores principais: a maior visibilidade do tema, a percepção de que a casa é um local mais perigoso para as mulheres do que a rua, e a influência de atitudes misóginas por parte de líderes políticos, que normalizam comportamentos violentos.
“Um dos fatores é que falamos mais sobre o tema, e isso faz com que ele deixe de ser inominado e subnotificado. Além disso, sabemos que a casa frequentemente é um ambiente mais perigoso para as mulheres em comparação com o espaço público. Os agressores, muitas vezes, são companheiros ou conhecidos. Por fim, o discurso misógino disseminado por líderes políticos impacta diretamente as mulheres, permitindo que agressores se sintam autorizados a agir”, explicou Miklos.
A pesquisadora destaca ainda que, durante a pandemia, as denúncias de violência caíram, mas isso ocorreu devido ao fato de que as mulheres estavam em situações em que relatar a violência poderia ser perigoso. “É um instinto de proteção. Com o advento do feminismo, o tema começou a deixar de ser tabu. Contudo, agora, com a normalização da situação pós-pandemia, os índices de violência voltam a subir”, completou.
A pesquisa também revelou que 5,3 milhões de mulheres, ou 10,7% da população feminina do Brasil, relataram ter sofrido abuso sexual ou foram forçadas a manter uma relação sexual contra a própria vontade no último ano. Esse dado é alarmante, indicando que uma em cada dez mulheres passa por essa experiência traumática.
Quando analisados os dados sobre violência ao longo da vida, o Brasil apresenta um percentual superior à média global. De acordo com um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), 32,4% das mulheres no Brasil sofreram violência por parte de parceiros ou ex-parceiros, comparado a 27% globalmente.
Para Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança, os dados refletem uma realidade preocupante sobre a segurança das mulheres no país. “O Brasil é um dos países mais violentos do mundo, e essa realidade se traduz no cotidiano das mulheres, que se sentem ameaçadas mesmo em seus lares”, afirmou.
A pesquisa revela que 91,8% das agressões aconteceram na presença de outras pessoas. Destas, em 47,3% dos casos, eram amigos ou conhecidos que testemunharam a violência; 27% das vezes, eram filhos e 12,4%, outros parentes. Bueno expressou seu espanto com essa realidade: “É chocante saber que nove em cada dez mulheres que sofreram violência o fizeram na presença de alguém que geralmente é íntimo, seja um amigo ou um familiar, e que apenas 7% dos casos ocorreram na frente de desconhecidos.”
Como um exemplo trágico dessa situação, um jovem de 22 anos foi morto em São Paulo ao tentar intervir em uma briga entre um casal em um ônibus. Ele havia apenas pedido para que o homem parasse de agredir a mulher.
A diretora-executiva do Fórum acrescenta que a reação do entorno varia conforme o tipo de agressão. “As pessoas reagem mais diante da agressão física do que da verbal. Muitas mulheres enfrentam formas de violência que incluem ameaças e intimidações que não são reconhecidas como sérias, o que leva à conivência com essas práticas”, alertou.
A elevada incidência de agressões na presença de crianças levanta preocupações sobre os efeitos da violência familiar na infância. Estudos indicam que ser testemunha de atos violentos entre pais pode ser tão prejudicial quanto sofrer violência direta.
“O convívio com conflitos intensos dentro de casa pode trazer distúrbios emocionais e comportamentais, criando uma visão da família como um ambiente inseguro. Além disso, crianças que presenciam violência doméstica têm maior probabilidade de se tornarem vítimas ou agressores na vida adulta”, alertou a pesquisa.
Samira Bueno finaliza lembrando que os efeitos psicológicos da violência podem se estender por toda a vida. “A literatura aponta para a violência intergeracional, mostrando como isso afeta as mulheres que um dia testemunharam suas mães sofrendo violência. Essa naturalização de comportamentos agressivos influencia diretamente a maneira como elas lidam com esses acontecimentos na vida adulta”, ponderou.
A investigação, que recebeu apoio da Uber, entrevistou 2.007 pessoas com mais de 16 anos de idade em 126 municípios brasileiros entre os dias 10 e 14 de fevereiro de 2025. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.