A globalização tende a criar um cenário onde forças autoritárias se intensificam, refletindo sintomas de uma crise mundial que se manifesta de maneiras diversas. A tentativa de golpe no Brasil e o crescimento da ultradireita na Alemanha são exemplos dessa situação alarmante. Atacar minorias, desconsiderar normas legais e idolatrar líderes autocráticos, como Putin, une movimentos autoritários mundialmente, do bolsonarismo brasileiro à Alternativa para a Alemanha (AfD).
Os recentes acontecimentos em Brasília são apenas mais uma ilustração desse fenômeno. A ação frustrada de Jair Bolsonaro em tentar um golpe de Estado não deve ser vista como um fato isolado, mas como um reflexo de uma tendência global mais ampla de erosão das democracias.
Nos Estados Unidos, Donald Trump, à frente de sua administração, criou um ambiente propício à desarticulação de instituições democráticas e à censura. Entre suas ações, destacam-se a revogação de legislações protetivas e o uso do Judiciário contra adversários políticos. Trump é apenas um dos muitos líderes que seguem o exemplo de autocratas internacionais, como Viktor Orbán, da Hungria, e Nicolás Maduro, da Venezuela.
A tentativa de Bolsonaro em realizar um golpe é, portanto, um resultado da sua administração ultradireitista. Durante seu governo, o ex-presidente deteriorou a separação de poderes, atacou instituições governamentais, favoreceu a presença de militares em funções cruciais e disseminou desconfiança nas eleições ao disseminar informações falsas sobre a mídia convencional. As investigações sobre as ações ilícitas de Bolsonaro mostram como corrupção e autoritarismo estão intimamente conectados.
Na Alemanha, a ascensão da AfD revela a inquietante presença de um partido nacionalista que promove discursos xenofóbicos e critica a mídia. Com uma retórica que chega a evocar o nazismo, a AfD se consolidou como uma das principais forças políticas do país, com 20,8% dos votos nas eleições de 23 de fevereiro de 2025. Sua líder, Alice Weidel, proferiu na noite eleitoral: "A gente vai caçá-los", referindo-se a adversários políticos, embora isso tenha sido dito em tom figurativo.
Além disso, a AfD vive uma relação complexa com a lei. A organização já foi investigada por recebimentos de doações ilegais e, paradoxalmente, inclui em seus quadros figuras com histórico de neonazismo. O vínculo com a Rússia é uma característica compartilhada por diversos partidos de extrema direita ao redor do mundo, como pode ser observado na aproximação desses grupos com o regime de Vladimir Putin.
A AfD tem sua base eleitoral majoritariamente no leste da Alemanha, onde o partido obteve quase a metade dos votos em algumas regiões, curiosamente, áreas com baixa presença de imigrantes. Os principais apoiadores da AfD são frequentemente aqueles que se sentem socialmente excluídos, um sentimento que o partido manipula por meio de plataformas digitais como o TikTok. No entanto, sua proposta econômica, que é neoliberal, na verdade penaliza a população mais vulnerável, em vez de beneficiá-la.
Essa contradição é também visível nas bases de apoio de outras figuras de extrema direita. Donald Trump, sendo um bilionário, tem um forte respaldo em regiões mais empobrecidas, assim como Jair Bolsonaro, que recebeu votos das comunidades mais carentes do Brasil.
Em muitos casos, a retórica extremista evita abordar a desigualdade social de frente, preferindo focar em temas emocionais, como o debate sobre o aborto e incitando preconceitos contra minorias, com destaque para a comunidade LGBT+. No Brasil, o deputado Nikolas Ferreira é um exemplo de como essa estratégia pode ser aplicada.
Todas essas dinâmicas emergem das contradições do capitalismo que se acentuaram desde a crise financeira de 2008. Bilhões foram direcionados para resgatar instituições financeiras enquanto a desigualdade social se aprofundava, prejudicando o ideal da democracia liberal de proporcionar mobilidade social. Quanto maior a desigualdade, mais receptiva se torna a sociedade à ascensão de discursos autoritários, que tendem a colocar a culpa em minorias, enquanto os verdadeiros responsáveis, os extremamente ricos, permanecem à distância da crítica.
O papel do Estado é crucial neste contexto: mesmo mantendo a fachada das instituições democráticas, os autoritários as utilizam para promover seus interesses totalitários. No entanto, o sistema judicial no Brasil tem mostrado sinais de resistência. As acusações contra Bolsonaro revelam que as instituições democráticas ainda têm força e precisam ser robustecidas, pois a extrema direita brasileira não se dará por satisfeita. Mesmo após a falha tentativa de golpe, é provável que seus apoiadores voltem à carga nas eleições de 2026.
---Philipp Lichterbeck, que deixou Berlim para viver no Rio em 2012, tem colaborado com diversas publicações sobre a América Latina e é um atento observador das realidades políticas do Brasil. Para mais atualizações, siga-o no Twitter @Lichterbeck_Rio. Este texto expressa a visão do autor, que pode não coincidir com a editorial do DW.