A Alemanha se encontra em uma encruzilhada em sua política externa, principalmente à luz das recentes eleições marcadas para o dia 23 de fevereiro. O cenário atual exige uma redefinição das estratégias do país, especialmente em relação à sua dependência dos Estados Unidos e ao fortalecimento das capacidades militares próprias.
Tradicionalmente, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a política externa alemã teve características de segurança que contavam com a proteção americana, inserindo a Alemanha como uma força sólida na defesa do multilateralismo e das democracias. No entanto, a nova dinâmica global exige que o país se adapte e reexamine esse papel.
Declarações recentes do novo vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, que enfatizaram que a Europa deve assumir mais responsabilidades em sua defesa, deixaram claro que o apoio dos EUA não deve ser dado como garantido. Tais comentários provocaram reações na política interna alemã, especialmente do líder da União Democrata Cristã (CDU), Friedrich Merz, que enfatizou a importância de um novo olhar sobre a segurança e a soberania da Alemanha. “Estamos diante de um momento histórico: as garantias de segurança dos EUA estão sendo questionadas”, disse Merz, ressaltando a necessidade de agir com cautela e proatividade.
Outra questão emergente é a postura da Alemanha em relação à China. O deputado Roderich Kiesewetter, da CDU, argumenta que a democracia e o Estado de direito estão sob ameaça e que a Alemanha precisa priorizar seus interesses nacionais. “Do contrário, as consequências econômicas serão massivas”, alerta, defendendo uma clara reorientação na política externa e de segurança do país.
A invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022 também trouxe à tona a importância de uma postura decisiva. A Alemanha, que agora se tornou um dos principais apoiadores militares da Ucrânia, tem a tarefa complicada de alinhar sua política interna de defesa com a cooperação internacional, principalmente em relação aos EUA. Existe um receio de que os acordos para a paz possam ignorar as preocupações e interesses europeus em favor de um entendimento entre EUA e Rússia.
O atual chanceler federal, Olaf Scholz, tem enfatizado a defesa da soberania ucraniana e a parceria europeia; no entanto, o futuro governo enfrentará o desafio de implementar essas posturas em um cenário de crescente incerteza. “Discutir a paz é desejável, mas deve haver respeito pelas necessidades da Ucrânia”, enfatiza Scholz, advertindo contra um cenário em que determinada paz seja imposta.
Além disso, a Alemanha precisará garantir um fortalecimento significativo de suas Forças Armadas, com especialistas sugerindo que a modernização exigirá investimentos de aproximadamente 500 bilhões de euros. O líder CDU, Merz, argumenta que, sendo o país mais populoso da Europa e com um papel geoestratégico relevante, a Alemanha deve se posicionar na liderança da União Europeia.
A defesa nacional não é apenas uma questão de relação com a Ucrânia; é também uma necessidade premente considerando a crescente agressão russa. As ameaças à infraestrutura da Alemanha, como os cortes em cabos de dados no Mar Báltico, tornam a questão de defesa uma prioridade.
Em relação ao Oriente Médio, a Alemanha continuará a adotar uma abordagem cautelosa, mantendo seu compromisso com o direito de existência de Israel e apoiando a solução de dois Estados, mesmo diante de desafios crescentes.
Na prática, o foco da nova política externa será garantir a capacidade defensiva independente da Alemanha. O atual ministro da Defesa, Boris Pistorius, já expressou a necessidade de “preparar a Alemanha para a guerra”. Desde a criação de um fundo especial para a modernização das Forças Armadas, que soma cerca de 100 bilhões de euros, o aumento dos gastos e a busca por novos modelos de financiamento se tornaram tópicos centrais na campanha eleitoral.
A ministra do Exterior, Annalena Baerbock, enfatiza que, diante das transformações no cenário global, a União Europeia deve se unir e aproveitar seu potencial coletivo. “Precisamos usar todas as nossas forças, sem nos perder em detalhes insignificantes”, declarou, ressaltando a importância de novas parcerias, como as firmadas com os países da América Latina e do Golfo.
Em resumo, as eleições na Alemanha não apenas definirão a liderança interna, mas também moldarão um novo capítulo nas relações internacionais do país. O povo alemão deverá avaliar essas mudanças complexas e suas implicações na segurança e na política externa do país. O futuro governo terá o grande desafio de equilibrar a necessidade de autonomia defensiva e as alianças globais em um mundo em constante transformação.