A cidade de Governador Valadares, localizada no leste de Minas Gerais, é conhecida como um importante polo de migração brasileira para os Estados Unidos. Apesar das barreiras impostas pela política migratória do ex-presidente Trump, o desejo de buscar novas oportunidades no exterior continua firme entre os moradores da região.
A história local oferece um panorama interessante sobre esse fenômeno. Segundo o procurador do Ministério Público Federal, Alexandre Chaves, "há uma demanda das pessoas que querem tentar a vida nos Estados Unidos. Tentam entrar de forma legalizada, a princípio, mas não conseguem o visto de trabalho e acabam se envolvendo com redes criminosas." Ele acredita que uma política migratória mais rigorosa não será capaz de barrar essa vontade crescente, e, na verdade, pode até intensificar a migração clandestina.
Cidades como Sobrália, São Geraldo da Piedade e Fernandes Tourinho estão entre os municípios que, proporcionalmente, mais enviam brasileiros para território americano, conforme dados do IBGE. Essas localidades, que cercam Governador Valadares, foram berço dos primeiros imigrantes brasileiros na década de 1960, conectando a região ao ideal do sonho americano.
A socióloga Sueli Siqueira, da Universidade Vale do Rio Doce (Univale), explica que "o contato com quem foi para lá alimenta a ideia de que é possível realizar sonhos nos Estados Unidos, independentemente das políticas e condições impostas". Este fenômeno cultural e econômico se solidificou ao longo de seis décadas, firmando a migração como parte da identidade local.
Os vestígios dessa cultura migratória são visíveis: desde uma estátua simbólica na Praça do Emigrante até outdoors que apoiam campanhas de políticos norte-americanos, como Trump e Kamala Harris. Um viaduto na cidade homenageia Mister Simpson, um empreiteiro americano que incentivou o intercâmbio cultural entre as nações. Essa relação se fortaleceu durante a Segunda Guerra Mundial, com a instalação de empresas americanas que recrutaram moradores para trabalhar na extração de mica, um mineral crucial para a indústria bélica.
O boom econômico da época elevou a população de Governador Valadares de 80 mil em 1960 para 124 mil em 1970. Contudo, a dependência da extração de recursos levou à degradação econômica e ambiental, forçando os cidadãos a buscar novas oportunidades, frequentemente nos Estados Unidos. Segundo o historiador Haruf Espíndola, "muitos queriam trabalhar, economizar e retornar para abrir negócios ou construir casas em Governador Valadares". O aumento do valor do dólar também incentivou essa trajetória migratória.
A migração tem se manifestado em ciclos. A primeira leva de mineiros partiu para os EUA em 1964 a convite de empreiteiros que atuaram no Brasil durante a guerra. Muitos desses primeiros imigrantes retornaram enriquecidos.
Nos anos 1980, ocorreu um novo impulso migratório, que Siqueira descreve como um "boom". Com a crise econômica, os mineiros de classe média buscaram oportunidades no mercado de trabalho americano, especialmente em cidades como Massachusetts, Nova York e Nova Jersey. Essa nova geração de valadarenses começou a abrir negócios e enviar remessas ao Brasil, o que, segundo Espíndola, "aquecia o mercado imobiliário e dolarizava a economia local".
Já na década de 2000, os que não conseguiram visto passaram a recorrer à migração clandestina, muitas vezes patrocinada por empregadores. Tal movimento gerou o surgimento de redes de contrabando de imigrantes, onde fazendeiros e empresários se tornaram conhecidos como "coiotes". Como explica o procurador Chaves, "quem decide ir em busca de oportunidades não é criminalizado no Brasil, mas esse fenômeno alimentou um negócio que concorre com o tráfico de drogas".
Recentemente, a Polícia Federal desmantelou uma operação que resultou na prisão de três membros de uma rede de contrabando que movimentou R$ 59,5 milhões. Os agenciadores cobravam cerca de 20 mil dólares (aproximadamente R$ 115 mil) por viagens que muitas vezes começavam com voos para países da América Central, seguidas pela travessia clandestina para os Estados Unidos.
A travessia representa riscos significativos; muitos imigrantes enfrentam violência, confinamento e condições insalubres durante o percurso. Um imigrante contatado relatou sobre sua experiência: "A travessia coloca a vida em risco. Se fosse para vir hoje, talvez não viria, sabendo como é". Apesar dos desafios, a promessa de uma nova vida continua a atrair valadarenses em busca do tão sonhado futuro.
Assim, a complexa relação entre Governador Valadares e a migração para os Estados Unidos é um reflexo de histórias, esperanças e desafios que moldaram a identidade da cidade. Enquanto os caminhos em busca do sonho americano permanecem abertos, os cidadãos enfrentam uma realidade cada vez mais desafiadora. É fundamental que as discussões acerca das políticas migratórias sejam amplificadas e que novas alternativas para emprego e desenvolvimento sejam buscadas tanto no Brasil quanto em outros países.