Ao assistir o final de Lost pela primeira vez, é impossível não sentir que algo fundamental foi perdido. Ao ver o olho de Jack Shephard fechar e os créditos finais do programa surgirem na tela, fiquei me perguntando: onde estava a controvérsia que dividiu os fãs por quase 15 anos? O que gerou tantas teorias e debates acalorados?
Nos dias seguintes, cada vez que comentava sobre o fim da série, era inevitável um amigo me perguntar: “Então, você achou que eles estavam mortos o tempo todo?” Para minha surpresa, a maioria das pesquisas no Google sobre o tema também refletia essa mesma ideia equivocada. Por um momento, me perguntei se eu tinha entendido errado o que Jack disse, em sua dramática conversa com seu pai, Christian Shephard, no último episódio.
Felizmente, logo percebi que essa ideia de que os personagens estavam mortos durante toda a série é uma das mais abrangentes interpretações errôneas da história da TV, se espalhando com tanta força que se tornou um exemplo clássico de finais decepcionantes.
Diante de minha recente maratona das seis temporadas, fiquei perplexo com essa confusão, e venho aqui esclarecer a questão, mesmo que com um certo atraso. Para isso, precisamos entender a estrutura narrativa de Lost, que alterna entre dois períodos temporais. Predominantemente, acompanhamos a vida na ilha, intercalada com flashbacks do passado de cada personagem antes do fatídico voo.
No entanto, no começo da Sexta Temporada, a narrativa muda para uma linha do tempo denominada "flash-sideways", que sugere como teria sido a vida dos personagens caso o Oceanic 815 não tivesse caído. A primeira cena desse novo enredo ocorre no primeiro episódio da temporada, quando Jack acorda no voo poucos segundos antes do acidente, com os outros personagens no avião.
Desta vez, em vez de uma queda, o avião supera a turbulência e segue para uma chegada tranquila em Los Angeles. Ao longo da temporada, as histórias do que ocorreu com os personagens em LA se misturam com os eventos na ilha, que retoma onde a Quinta Temporada havia parado. Até que se torna evidente que nem tudo está como parece em LA, com os personagens gradualmente lembrando das experiências vividas na ilha.
À medida que os membros do Oceanic 815 se reencontram no flash-sideways, ocorre uma conversa sobre um ponto de encontro, onde todos convergem na grande final da temporada. Enquanto Jack na ilha faz sacrifícios para protegê-la, Jack na LA ainda não consegue recordar sua outra vida enquanto é atraído para o lugar pelo convite de Kate, que ele acredita ser uma estranha.
A localização se revela ser uma igreja, onde Jack supõe que o funeral de seu pai estaria acontecendo. Entretanto, ao abrir o caixão em uma sala privada, ele encontra-o vazio, e logo Christian aparece por trás dele.
“Como você chegou aqui, já que está morto?”, pergunta Jack. Christian responde: “Como você está aqui?” A partir disso, Jack percebe: “Eu também morri.” A seguir, eles trocam um emotivo abraço e Jack questiona se Christian é real, ao que ele esclarece: “Sim, eu sou real. Você é real; tudo que aconteceu com você é real. Todas aquelas pessoas na igreja... Elas também são reais.”
Christian explica que todos estão ali para "seguir em frente". Contribuindo para a confusão, quem assiste à série frequentemente interpreta erroneamente que a igreja representa um purgatório. Na verdade, enquanto a série não acontece em uma dimensão de purgatório, a linha do tempo dos flash-sideways sim, enquanto que os eventos da ilha são reais.
Quando cada personagem morre, eles despertam nesse tipo de além, onde têm tempo para enfrentar seus passados antes de seguir adiante. Esse é o motivo dos personagens nesta linha do tempo viverem uma vida superior em comparação ao que tinham antes da queda, como John Locke com uma relação próxima ao seu pai e Sawyer atuando como policial.
De acordo com Christian, nem todos os personagens aparecem na igreja, pois este é o espaço dos que tiveram a parte mais importante de suas vidas conectada ao tempo que passaram juntos na ilha. Relacionado ao final da série, muitos podem se perguntar se é o desfecho ideal. A reposta é que ele tem suas falhas e deixa algumas questões em aberto.
O ponto central da confusão sobre o final poderia residir nas especulações que circularam desde a Segunda Temporada, quando muitos começaram a crer que todos os personagens estavam mortos e a ilha era uma forma de purgatório. É plausível que essa crença se disseminasse e se intensificasse ao longo do tempo, ocasionando a interpretação popular errônea do final.
Lost é um daqueles programas feitos para maratonar antes mesmo de a prática se popularizar. Ao se esperar um ano por cada temporada e uma semana por episódio, a continuidade da história se perdia. Pesquisas indicam que a audiência declinou ao longo da série, mas subiu novamente para o episódio final, sugerindo que muitos voltaram apenas para a última temporada sem acompanhar os detalhes anteriores. Isso se reflete numa experiência de visualização que torna a distinção entre a realidade dos eventos e o purgatório menos clara.
O fenômeno do Mandela Effect relacionado a Lost é indiscutivelmente lamentável, pois limita a visão do que a série realmente oferece. Não se deixe enganar por essa concepção errônea; é uma série incrível do começo ao fim. Se você ainda insiste na ideia de que "eles estavam mortos o tempo todo", é uma pena, pois é a sua perda.