Uma decisão judicial histórica foi alcançada por cinco mulheres que, ao longo de suas vidas, carregaram o peso de terem sido separadas de suas famílias durante o contexto colonial da Bélgica. Estas mulheres, que foram retiradas de suas casas no antigo Congo Belga, conseguiram reconhecimento e indenização por parte do governo belga em uma batalha judicial que durou anos.
Aos quatro anos, Marie-José Loshi, uma das integrantes do grupo, foi levada de sua família e colocada em um orfanato católico, longe de suas raízes e de sua língua. Hoje, aos 76 anos, Loshi reflete sobre a dor de ter sido arrancada de seu lar, dizendo: "Fomos arrancados de tudo, e feridos para o resto da vida."
Estas mulheres são uma representação de milhares de crianças que viveram experiências semelhantes, sendo sistematicamente retiradas de suas famílias pelo Estado. "Nossa juventude e infância foram roubadas", lamenta Loshi.
No contexto da luta por reparação, Monique Bitu Bingi, Léa Tavares Mujinga, Noëlle Verbeken, Simone Ngalula e Marie-José Loshi entraram com uma ação judicial em 2021, buscando justiça pelo tratamento desumano recebido. Este foi o primeiro processo a destacar a história dessas crianças mestiças, produto de relações entre colonos brancos e mulheres negras locais, que foram severamente afetadas pelas políticas de separação forçada implementadas durante as décadas de 1940 e 1950.
Em dezembro de 2024, o Tribunal de Apelações de Bruxelas tomou uma decisão inovadora ao considerar que as ações do governo belga constituíam um crime contra a humanidade, descrevendo os sequestros como "um ato desumano de perseguição". Com isso, não apenas corroborou a dor das cinco mulheres, mas também estabeleceu um precedente jurídico que pode influenciar casos similares no futuro.
Esta decisão é vista como um marco não apenas para a Bélgica, mas também para outras ex-potências coloniais no mundo. Michèle Hirsch, uma das advogadas que representaram as mulheres, destacou que "a decisão não reconhece apenas o sofrimento destas cinco mulheres; reconhece um crime cometido pelo próprio Estado belga". A esperança de Hirsch é que a decisão sirva de catalisador para que outros sobreviventes de políticas semelhantes possam buscar justiça.
O processo judicial também levanta questões sobre como a Bélgica deve lidar com suas políticas de reparação, especialmente considerando que o governo já havia emitido um pedido formal de desculpas a cerca de 20 mil vítimas de separações forçadas. No entanto, o número real de crianças mestiças afetadas permanece indefinido.
Para muitas das vítimas, o tempo não foi suficiente para curar as feridas. Loshi, por exemplo, revelou que viveu com o peso do segredo e da vergonha durante a maior parte de sua vida. "Vivíamos com vergonha", confessou, referindo-se à dificuldade de compartilhar sua experiência dolorosa com seus filhos. A luta das mulheres foi muito mais do que um pedido de indenização; foi uma busca por reconhecimento e por voz.
A advogada Hirsch espera que este caso leve o Parlamento belga a adotar leis semelhantes às que permitem reparações em outros países, como Austrália e Canadá. Estas legislações têm o objetivo de compensar vítimas de políticas de sequestro e separação de crianças indígenas de suas famílias.
O impacto do veredicto vai além do reconhecimento individual. Para Antoinette Uwonkunda, membro da associação Métis du Monde, a decisão abre portas para outros que ainda assim se sentem marginalizados e discriminados. Uwonkunda, que é mestiça, manifestou sua esperança de que esse reconhecimento ajude a mudar a narrativa colonial ainda vivida por muitos, especialmente por aqueles que vivem em áreas rurais de Ruanda, onde o estigma social prevalece.
"Isso tem que abrir portas. A Bélgica deve se fazer perguntas sobre sua história", argumenta Uwonkunda. Para muitos, o reconhecimento do passado é o primeiro passo em direção à verdadeira reparação e cura.
Marie-José Loshi expressou suas emoções ao refletir sobre a decisão: "Não nos sentimos aceitos, não somos nem negros nem brancos o suficiente, não temos um espaço ao qual sentimos que pertencemos". O desafio de encontrar um pertencimento continua, mas a luta delas traz esperança para uma nova narrativa de resiliência e justiça. As vozes antes silenciadas agora ecoam, e a coragem de se contar as verdades do passado poderá proporcionar um futuro melhor não apenas para os descendentes das vítimas, mas para todos que foram impactados pela herança do colonialismo.
Esta luta ainda está longe de ser concluída. Se você também acredita na importância do reconhecimento e da reabilitação das vítimas históricas, compartilhe sua opinião e ajude a dar visibilidade a essas histórias. Juntos, podemos continuar a marchar em direção a um futuro mais justo.