Líderes europeus expressaram preocupações alarmantes de que os Estados Unidos possam estar repetindo erros do passado ao lidarem com a Ucrânia. Em particular, temem que os norte-americanos estejam revivendo a política de apaziguamento da década de 1930, quando potências ocidentais abandonaram a Tchecoslováquia às mãos do regime de Hitler. "Não posso deixar de me perguntar: já estivemos aqui antes? Tchecoslováquia, 1938. Temos um agressor às nossas portas, com a intenção de tomar território que não é dele. E os negociadores [...] já estão entregando suas fichas de barganha antes mesmo de as negociações começarem. Essa é uma tática desastrosa. E estamos caminhando a toda velocidade para o desastre," disse Kaja Kallas, ex-primeira-ministra da Estônia e atual alta representante da União Europeia para Exteriores e Segurança, durante a Conferência de Segurança de Munique.
O local escolhido para seu discurso foi emblemático, a poucos metros do mesmo prédio onde, há 86 anos, determinou-se o destino da Tchecoslováquia. O Acordo de Munique, assinado por líderes da França e do Império Britânico, foi um marco infame que simbolizou a política de apaziguamento, permitindo a anexação de parte da Tchecoslováquia pelo regime nazista, sem qualquer representação dos tchecoslovacos. Essa estratégia, que na época visava evitar um nova guerra mundial, se provou catastrófica, com Hitler desobedecendo o acordo e expandindo sua invasão para outros países, incluindo a Polônia, o que deu início à Segunda Guerra Mundial. O episódio ficou conhecido como "A traição de Munique" e tornou-se um exemplo clássico de que a política de apaziguamento falha quando enfrenta regimes expansionistas e agressivos.
Donald Tusk, premiê polonês, também ecoou essas preocupações, afirmando: "Como historiador e político, a única coisa que posso dizer hoje é: Munique nunca mais". Os dois líderes do Leste Europeu estavam referindo-se não só a um acordo histórico, mas levantando apreensões de que a história possa estar prestes a se repetir com a atual situação da Ucrânia, que enfrenta um ataque russo sob a liderança de Vladimir Putin desde 2022. Embora Tusk e Kallas não tenham feito menções diretas, estava claro que o medo era de que os Estados Unidos, agora sob a presidência de Donald Trump, possam estar adotando a mesma postura de britânicos e franceses em 1938, abandonando a Ucrânia.
Os receios aumentaram ao longo de fevereiro, quando Trump revelou que ele havia iniciado diálogos diretos com Putin e que negociadores americanos e russos se reuniram na Arábia Saudita sem a presença dos ucranianos e seus aliados. Trump também indicou que a participação do presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, nas negociações era "não importante" e começou a condicionar a continuidade da assistência militar e financeira dos EUA a um acordo milionário de exploração mineral, o que alguns analistas interpretaram como uma forma de "extorsão". Posteriormente, ele caracterizou Zelenski como "ditador" e elogiou Putin.
A postura do governo americano se tornou ainda mais clara quando, membros da equipe de Trump passaram a sugerir publicamente a pressão sobre os ucranianos para conceder parte de seu território à Rússia, enquanto os russos já ocupavam cerca de 20% do território ucraniano. "Esta guerra precisa acabar e isso exigirá concessões territoriais", declarou Mike Waltz, conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, antes de um anúncio de suspensão de novos pacotes de ajuda aos ucranianos. Waltz adicionou que isso também exigiria concessões da parte russa em troca de garantias de segurança. Entretanto, historiadores lembram que Hitler ofereceu promessas semelhantes a Neville Chamberlain, então primeiro-ministro britânico, antes de quebrar o acordo de 1938 e anexar a totalidade da Tchecoslováquia.
Por sua vez, o historiador britânico Timothy Garton Ash, em artigo publicado no semanário alemão Die Zeit, afirmou: "Em comparação com as concessões de Donald Trump a Vladimir Putin, até mesmo a política fatal de apaziguamento de Neville Chamberlain em relação a Hitler parece um realismo corajoso e baseado em princípios. Afinal de contas, Chamberlain estava tentando evitar uma grande guerra na Europa. A manobra de Trump, por outro lado, ocorre quando a guerra já está em andamento."
A política de rearmamento adotada pelo regime nazista entre 1933 e 1938 é uma das razões pelas quais a situação se deteriorou na Europa. Passos como a remilitarização da Renânia em 1936 e a anexação da Áustria em 1938 não provocaram reações significativas de potências como a França e o Império Britânico. Ao mesmo tempo, enquanto Hitler começava a direcionar sua ambição para a Tchecoslováquia, os tchecos, embora aliados dos franceses e britânicos na época, foram excluídos das negociações, assim como a União Soviética, que também era uma aliada.
O acordo de Munique ainda ressoa por suas implicações e, assim como Chamberlain, que retornou a Londres afirmando ter garantido “a paz para o nosso tempo”, muitos temem um desenrolar semelhante nos dias atuais. O triunfo incerto de Chamberlain rapidamente se desfez quando, em poucos meses, Hitler desconsiderou o acordo e ocupou o restante da Tchecoslováquia, abrindo caminho para invasões subsequentes, incluindo a da Polônia, que eventualmente levou à Segunda Guerra Mundial, resultando em mais de 50 milhões de mortos em conflitos subsequentes.
Timothy Snyder, historiador americano, traçou paralelos significativos ao afirmar que, se a Tchecoslováquia tivesse recebido ajuda durante sua resistência em 1938, a trajetória do século 20 poderia ter sido distinta. "Se os tchecos resistissem e os francese e britânicos, talvez os americanos, começassem a ajudar, haveria um conflito, mas não haveria uma Segunda Guerra Mundial", disse o historiador em 2024. Ele também indicou que a atual situação da Ucrânia é crítica: "Se os ucranianos desistirem, ou se nós desistirmos da Ucrânia, então será a Rússia fazendo guerra no futuro. Será a Rússia fazendo guerra com tecnologia ucraniana, numa posição geográfica diferente. Nesse ponto, estaremos em 1939. Mas estamos em 1938 agora. Na verdade, o que os ucranianos estão nos permitindo fazer é estender 1938."