O Burundi começou a retirada de suas tropas do leste da República Democrática do Congo (RDC), onde os soldados estavam envolvidos em confrontos com os rebeldes do M23, conforme relatado por quatro fontes na última terça-feira (18). Essa movimentação é um duro golpe para o Exército congolês, que já enfrenta dificuldades para conter o avanço rebelde. Em contrapartida, um porta-voz do Exército do Burundi classificou as alegações de retirada como "falsas" e assegurou que os soldados continuam "executando suas missões em suas áreas de responsabilidade" na RDC.
A retirada das tropas burundeses ocorre após o escritório de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) denunciar que os rebeldes do M23 estariam executando crianças em sua marcha no leste da RDC, durante a qual tomaram as duas maiores cidades da região.
Um oficial do Exército do Burundi mencionou que "vários caminhões cheios de militares [burundeses] chegaram ao país desde ontem" através de um posto fronteiriço, confirmação corroborada por duas fontes da ONU e um diplomata africano. Soldados burundeses trabalharam em conjunto com as forças congolesas para tentar proteger Kavumu, que abriga o aeroporto que serve a Bukavu, a capital da província de Kivu do Sul, a qual caiu nas mãos dos rebeldes na última semana. Este foi o mais significativo avanço dos rebeldes desde que tomaram Goma, a maior cidade do leste da RDC.
As tropas burundeses estão presentes na RDC há anos, inicialmente para caçar rebeldes de seu próprio país, mas recentemente com a missão de ajudar no combate ao M23, que é um dos muitos movimentos rebeldes formados por tutsis no leste da RDC. Na manhã da terça-feira, os rebeldes do M23 entraram em Kamanyola, uma cidade localizada a aproximadamente 50 km ao sul de Bukavu, de acordo com relatos de moradores locais e fontes ligadas ao grupo rebelde.
O presidente congolês, Felix Tshisekedi, se reuniu com o presidente de Angola, João Lourenço, na cidade de Luanda para discutir a grave deterioração da segurança no leste congolês. Ruanda, por sua vez, rejeitou as alegações da RDC e da ONU, que afirmam que o país está apoiando os rebeldes do M23 com armas e tropas. O governo ruandense defende que está apenas se protegendo de uma suposta milícia hutu que estaria atuando em conjunto com as forças armadas congolezas.
As autoridades congolenses, no entanto, acusam Ruanda de usar essas milícias para souber os valiosos recursos minerais da RDC. Na terça-feira à noite, Ruanda anunciou que estava suspendendo a cooperação para desenvolvimento com a Bélgica devido a uma suposta campanha para desestabilizar o acesso de Ruanda ao financiamento de desenvolvimento, incluindo por meio de instituições multilaterais. Várias milícias competem pelo controle dos ricos recursos minerais da região, como tântalo e cobalto, que são essenciais na fabricação de veículos elétricos, celulares e uma variedade de produtos tecnológicos.
A República Democrática do Congo é também o principal fornecedor de cobre para a China.
Em Genebra, o Escritório de Direitos Humanos da ONU alertou sobre a rápida deterioração das condições para os civis envolvidos nos conflitos no leste da RDC, com diversos relatos de abusos, incluindo execuções sumárias e violência sexual. "Nosso escritório confirmou casos de execução sumária de crianças pelo M23 depois que elas entraram na cidade de Bukavu na semana passada", revelou a porta-voz Ravina Shamdasani durante uma coletiva de imprensa.
Ela mencionou também que três meninos, presumivelmente com idades não superiores a 15 anos, foram mortos durante um confronto com os rebeldes após se recusarem a devolver armas que haviam retirado de um acampamento militar abandonado.
Nos últimos dias, entre 10 mil e 15 mil pessoas cruzaram a fronteira para o Burundi, fugindo dos combates, o que sobrecarregou os recursos locais e gerou superlotação. Alguns migrantes se afogaram no Rio Ruzizi enquanto tentavam atravessar. "Os refugiados estão exaustos e traumatizados. Muitos foram separados de suas famílias, sem informações sobre onde estão", declarou o porta-voz da agência de refugiados da ONU, Matthew Saltmarsh.
Na terça-feira, o tráfego de barcos foi restabelecido no Lago Kivu, com a reabertura dos portos em Goma e Bukavu, o que, segundo a ONU, poderá facilitar o acesso à ajuda humanitária após semanas de combate e saques. Porém, o aeroporto em Goma permanece fechado, sendo considerado uma tábua de salvação para a ajuda humanitária. Ao norte de Goma, o exército de Uganda informou que entrou na cidade de Bunia com a autorização das autoridades militares locais para combater a violência das milícias na região.