Os mistérios que envolvem a morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek ganham novos contornos com a decisão da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) de reabrir as investigações. A reunião está marcada para esta sexta-feira e busca aprovar uma nova análise das circunstâncias do trágico acidente ocorrido em 22 de agosto de 1976.
No fatídico dia, por volta das 18h, o Opala dirigido pelo motorista de JK, Geraldo Ribeiro, atravessou o canteiro central da Rodovia Presidente Dutra, colidindo frontalmente com uma carreta após perder o controle. Ambos os ocupantes do veículo faleceram, e desde então, a verdade em torno das causas desse acidente permanece envolta em dúvidas.
Quase cinco décadas após o ocorrido, a reabertura das investigações é impulsionada por um inquérito anterior do Ministério Público Federal (MPF), que analisou o evento entre 2013 e 2019. Embora não tenha encontrado evidências conclusivas de um atentado, o MPF também descartou a hipótese de que o carro de JK colidiu com um ônibus, como sugeriram as investigações iniciais. O laudo que fundamenta essa decisão foi elaborado pelo engenheiro Sérgio Ejzenberg, que concluiu que não havia indícios de velocidade excessiva por parte do ônibus e que a causa do acidente permanecia inexplicada.
O historiador Victor Missiato, pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp), destaca que a destruição de provas relevantes, tanto do veículo quanto das análises dos corpos, levanta questões sobre a integridade das investigações originais. "A ausência de cuidado e atenção com os indícios acabou dificultando o esclarecimento e alimentando uma série de suspeitas ao redor da morte de JK", afirma Missiato.
Além disso, há relatos de ameaças proferidas contra JK por parte da ditadura militar, o que também alimenta teorias de conspiração sobre um possível atentado. O cientista político Paulo Niccoli Ramirez relata que muitos acreditavam que o ex-presidente deveria deixar o país devido à sua crescente popularidade e suas intenções políticas. As investigações da época terminaram por classificar sua morte como um acidente de trânsito, mas a percepção pública e a história continuam a questionar essa conclusão.
A Comissão Nacional da Verdade havia realizado uma extensa investigação sobre a morte de Juscelino e, segundo o historiador Daniel Aarão dos Reis da Universidade Federal Fluminense (UFF), não foram encontradas evidências que comprovassem um assassinato. No entanto, o sentimento de que a verdade ainda não foi totalmente revelada perdura entre os familiares e apoiadores de JK.
Outro aspecto intrigante do caso é o depoimento do motorista do ônibus que, em 2013, relatou ter recebido uma proposta para assumir a responsabilidade pelo acidente. Josias Oliveira, que foi processado por homicídio culposo e posteriormente absolvido, contribui para a sensação de que há informações não reveladas que merecem atenção. Para o procurador da República Paulo Sérgio Ferreira Filho, o Estado brasileiro cometeu falhas graves nas investigações do caso, reforçando a necessidade de reaberturas como essa.
O novo laudo apresentado pelo engenheiro Sérgio Ejzenberg, que detalhou suas conclusões em um documento robusto de 222 páginas, diz que o Opala não demonstra sinais de frenagem antes do impacto, levantando mais questionamentos sobre as condições em que o acidente ocorreu.
Juscelino Kubitschek, conhecido como o "pai de Brasília", governou o Brasil entre 1956 e 1961 e deixou um legado significativo em termos de desenvolvimento econômico. Sua morte, no entanto, ainda levanta questões dolorosas e não resolvidas sobre a política da época e o impacto do regime militar sobre líderes opostos.
Historiadores e cientistas políticos sugerem que a continuidade dos trabalhos investigativos pode não apenas elucidar as circunstâncias da morte de JK, mas também fornecer uma visão mais clara sobre o clima político do Brasil durante aquelas décadas conturbadas. O político era um potencial candidato às eleições de 1978 e permanecia uma figura influente na imaginação popular em relação à redemocratização do país. O fato de que três líderes políticos proeminentes morreram em um espaço de tempo tão curto — JK, Goulart e Lacerda — acentua as especulações e o desejo de justiça que ainda reina entre os cidadãos brasileiros.
Conforme a análise dos especialistas avança, a luta por respostas continua, mantendo vivas as memórias e os legados de figuras como JK. A importância da verdade histórica não pode ser subestimada, e restabelecer a narrativa em torno dessas mortes trágicas é um passo crucial para o Brasil entender melhor seu passado.
É fundamental que a sociedade continue a debater e buscar respostas sobre as sombras do passado político do Brasil. Ao abordar essas questões, a esperança é que se possa llegar a um entendimento mais claro sobre o que realmente aconteceu naquela noite fatídica em 1976 e, quem sabe, trazer paz às almas que permanecem inquietas.