O avanço de um procedimento que busca "enganar a morte" vem gerando um intenso debate na Alemanha, além de chamar a atenção do meio científico global.
A Tomorrow Bio, startup alemã e pioneira na Europa no campo da criônica, é responsável por congelar pacientes após a morte com o objetivo de reanimá-los no futuro.
Co-fundada pelo brasileiro Fernando Azevedo Pinheiro e Emil Kendziorra, a empresa já realizou a criopreservação de seis indivíduos e cinco animais de estimação, contando atualmente com aproximadamente 700 clientes registrados.
Embora a criônica tenha sido desenvolvida há quase 50 anos, o interesse por essa técnica tem aumentado consideravelmente nas últimas décadas.
O procedimento para congelar um corpo na Tomorrow Bio tem um custo elevado, situado em US$ 200 mil, o que equivale a cerca de R$ 1,2 milhão. Em 2025, a empresa planeja expandir suas atividades para todas as regiões do território norte-americano.
A criopreservação inicia-se quando um médico confirma que um paciente listado está em seus últimos dias de vida. A empresa realiza a preservação no local em que o paciente se encontra, utilizando uma ambulância especialmente adaptada. Contudo, até o presente momento, nenhum caso de reanimação bem-sucedida foi registrado.
Clive Coen, professor de neurociência da Universidade King’s College London, no Reino Unido, considera essa ideia "absurda". Ele sustenta que não há evidências de que seres humanos ou organismos complexos possam ser ressuscitados sem sofrer danos severos ao cérebro.
Apesar das críticas, a Tomorrow Bio continua sua trajetória, inspirando-se em casos como o de Anna Bagenholm, que ocorreu na Noruega em 1999. Durante um acidente enquanto esquiava, Anna ficou presa em água congelada por 80 minutos, o que resultou em uma parada cardiorrespiratória. Apesar de tê-la declarado clinicamente morta durante duas horas, ela foi reanimada com sucesso.
Anna passou por um longo processo de recuperação, que durou dois meses em uma unidade de terapia intensiva, e, embora tenha sofrido paralisia do pescoço para baixo, conseguiu recuperar-se quase completamente, apresentando apenas leves sequelas nas mãos e pés.
Durante o procedimento da Tomorrow Bio, os corpos são resfriados para temperaturas abaixo de zero, evitando a formação de cristais de gelo que poderiam danificar os tecidos. A água do corpo é substituída por um fluido crioprotetor, uma combinação de dimetilsulfóxido (DMSO) e etilenoglicol. Após esse estágio, o corpo é rapidamente resfriado a -125°C antes de ser lentamente resfriado até -196°C.
Após a preservação, o corpo é armazenado em uma unidade na Suíça, aguardando o momento da possível reanimação. Para Emil Kendziorra, a expectativa é que, no futuro, avanços médicos sejam capazes de curar as doenças que levaram à morte dos pacientes e possibilitem a reversão da criopreservação.
Embora não haja um prazo definido para que isso ocorra, Kendziorra acredita na possibilidade de uma preservação indefinida, desde que a temperatura correta seja mantida.
Os defensores da criônica fazem comparações com outros avanços médicos que inicialmente enfrentaram resistência, como os transplantes de órgãos.
Entretanto, as questões éticas, os altos custos e a falta de garantia em relação aos resultados alimentam intensos debates sobre o tema. Mesmo assim, muitos clientes encaram a criônica como uma possibilidade, ainda que mínima, de "viajar no tempo".
Louise Harrison, uma das clientes do programa, diz: "Ter uma pequena chance de voltar, em vez de não ter chance nenhuma, parecia ser uma escolha lógica". Ela paga aproximadamente US$ 87 (ou R$ 525) mensalmente para manter o seu cadastro.
Empresas como o Cryonics Institute, fundado nos Estados Unidos em 1976, têm percebido um aumento no interesse pelo tema, especialmente em decorrência de eventos recentes, como a pandemia de covid-19.
Agora, a Tomorrow Bio mira a preservação das estruturas neurais e o alcance da criopreservação reversível até 2028. Kendziorra compartilha otimismo e ressalta: "Estou bastante confiante em dizer que a probabilidade é maior do que a cremação, se não houver mais nada".