Jessica Martinelli, uma mulher que superou um passado de abusos, tornou-se policial civil em Chapecó e, aos 25 anos, prendeu seu agressor, 16 anos após os crimes terem ocorrido. A história que começou em sua infância, marcada por abusos por um amigo da família, inspirou Jessica a escrever um livro sobre sua trajetória, intitulado "A Calha", publicado no final de 2024.
Os abusos aconteceram quando Jessica tinha entre 9 e 11 anos e terminaram somente quando a amizade entre o homem e sua família foi rompida. Durante muitos anos, ela sofreu em silêncio, sem encontrar apoio em seu ambiente familiar. A coragem de denunciar veio aos 15 anos, após um encorajamento de uma amiga. Infelizmente, a resposta das autoridades foi decepcionante. Jessica encontrou dificuldade em ser levada a sério, repetindo sua história várias vezes sem o devido reconhecimento.
"Por ser uma história realmente que eu sei que motiva as vítimas a denunciarem, a contar. Além de trazer uma certa justiça, porque muitas vítimas, eu ouvi isso, que a minha ação, o meu ato, de certa forma, trouxe conforto para elas. Porque muitas não têm mais como, pela questão de tempo, já não têm mais como prender o agressor", afirmou Jessica.
No relato de seu livro, ela descreve os anos difíceis e o peso emocional que carregava. "Eu tinha necessidade de desabafar. Então eu desabafava com amigas do colégio, ou uma vizinha minha". Somente aos 15 anos Jessica se sentiu segura o suficiente para compartilhar seu sofrimento com sua irmã, e juntas foram à delegacia fazer a denúncia. Contudo, a experiência na polícia foi frustrante: "Eu tive que repetir milhares de vezes a mesma coisa, sabe?", lamentou.
Essa experiência de vida foi um dos fatores que a motivaram a se tornar policial. Jessica enxergava nas mulheres da polícia uma força que desejava ter. "Eu olhava as fotos das mulheres policiais e eu via uma coisa que eu queria muito ter, que era a força. Essa força, essa coragem".
"Não é que eu entrei para a polícia para prender. Porque eu não ia imaginar que um processo ia levar 10 anos. É que as coisas foram acontecendo. E deixar bem claro que as coisas só foram acontecendo porque eu ia movendo as coisas, senão não ia acontecer". Desde que ingressou na Polícia Civil há oito anos, Jessica se dedicou a fazer a diferença.
O momento da prisão do agressor, em 22 de dezembro de 2016, foi intenso. Jessica estava presente com sua equipe, revivendo emoções do passado. "Quando nós estávamos indo, era como se eu tivesse voltado aos 11 anos de idade. Eu estava dentro da viatura, mas eu tinha um misto de coragem: 'Eu sou uma policial, eu vim prender o cara que fez tudo que fez comigo'. E, ao mesmo tempo, dava aquela tremedeira, muita ansiedade, medo". Esse episódio representou o encerramento de um ciclo. "A sensação realmente de encerramento de um ciclo de 10 anos. Um ciclo muito doloroso, que nenhuma vítima deveria ter que passar", disse Jessica.
Infelizmente, o agressor foi liberado devido a normas jurídicas anteriores ao caso. "Eu acabei entrando na lei antiga, que eram os crimes contra os costumes. Hoje são crimes contra a dignidade sexual". Isso reforça a importância de mudanças no sistema judiciário em relação a crimes de abuso sexual.
Jessica oferece conselhos às vítimas de abuso: "Primeiramente, eu diria para elas: 'Você não tem culpa. Não tem culpa nenhuma'. No meu caso, eu me sentia culpada porque eu estava de biquíni, porque eu era mulher, porque eu era uma criança, uma menina. E eu me sentia culpada por não contar. Então, respeite a sua história". Ela enfatiza a importância de contar a alguém de confiança e não deixar o sofrimento guardado, pois a dor não passa sozinha.
"Aconselho também a denunciar. Eu acredito que a prisão do teu autor faz com que isso auxilie no ciclo da cura", concluiu Jessica, uma verdadeira inspiração para muitas mulheres que enfrentam situações semelhantes.