Joel Le Scouarnec é um ex-cirurgião acusado de ter abusado de centenas de pacientes, muitas vezes enquanto estavam sob anestesia. O caso esteve em pauta com o julgamento de um dos maiores casos de abuso infantil da história da França, que acontecerá neste mês.
Le Scouarnec, de 73 anos, é acusado de agressão ou estupro de 299 crianças — a maioria ex-pacientes — entre 1989 e 2014, principalmente na Bretanha. Ele admitiu algumas das acusações, mas não todas. O julgamento ocorrerá em Vannes, no noroeste da França, após uma investigação policial meticulosa que durou vários anos.
A expectativa é que o caso levante questões importantes, como se Le Scouarnec foi protegido por colegas e pela administração dos hospitais em que trabalhou, sobretudo após um alerta do FBI às autoridades francesas sobre seu acesso a conteúdos de abuso infantil, que resultou apenas em uma pena suspensa.
Le Scouarnec, que já foi um cirurgião respeitado, permanece preso desde 2017 sob suspeita de ter cometido crimes relacionados a suas sobrinhas e a outros pacientes. Em 2020, ele foi condenado a 15 anos de prisão. Após sua detenção, foram descobertas bonecas sexuais do tamanho de crianças, mais de 300 mil imagens de abuso infantil e diários detalhando suas agressões ao longo de 25 anos. Embora tenha negado ter cometido os crimes, em várias ocasiões ele escreveu em seus diários: 'Sou um pedófilo'.
Algumas das vítimas, atualmente adultas, relataram lembranças de serem tocadas sob o pretexto de exames médicos. Devido ao efeito da anestesia, muitas não tinham memória dos abusos e ficaram chocadas ao saber que seus nomes estavam nos diários de Le Scouarnec. O cirurgião supostamente se sentia 'todo-poderoso' e gostava das 'transgressões calculadas'.
Advogados que representam as vítimas afirmaram que muitas delas enfrentam traumas profundos devido à confiança que depositaram em um profissional da saúde. Um dos relatos mais impactantes foi de uma mulher que apresentou flashbacks após saber que seu nome estava registrado no diário do cirurgião. Ela lembrou de um momento em que foi agredida em seu quarto no hospital.
A advogada Margaux Castex destacou que seu cliente está lutando para superar o trauma de ter confiado em um médico e gostaria de nunca ter descoberto a verdade sobre os abusos. Outra mulher, Marie, falou sobre a dificuldade de lidar com o trauma, afirmando que as novas revelações reavivaram memórias há muito suprimidas.
Os erros institucionais e judiciais devem ser amplamente discutidos durante o julgamento. O advogado Frederic Benoist, que representa um grupo de defesa de crianças, ponderou sobre os 'erros' que permitiram que os abusos continuassem por tanto tempo. Ele contou que um alerta do FBI resultou apenas em uma pena leve para Le Scouarnec, que seguiu exercendo sua profissão.
A comunidade médica também foi criticada, pois muitos colegas de Le Scouarnec estavam cientes de seu comportamento questionável, mas não tomaram nenhuma medida. 'Havia muitas circunstâncias que poderiam ter levado à sua detenção, mas ele escapou, e as consequências são trágicas', disse Benoist.
À medida que o julgamento se aproxima, espera-se que fornecer um espaço para as vítimas relatarem seus traumas e responsabilizarem as autoridades que falharam em agir. A advogada Satta enfatizou que mesmo aqueles que não se lembram dos abusos ainda são vítimas. O julgamento, marcado para começar em 24 de fevereiro, deve durar até junho e promete ser um momento crucial na luta pela justiça.