A Europa está enfrentando um cenário preocupante que pode ameaçar sua hegemonia global, construída ao longo de séculos. Essa avaliação não provém apenas de acadêmicos ou políticos adversários, mas sim da própria Comissão Europeia.
Em 2023, a Comissão solicitou que Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu e ex-primeiro-ministro da Itália, elaborasse um relatório sobre como garantir a relevância e competitividade da Europa em um mundo em constante transformação. O resultado, conhecido como "Relatório Draghi", divulgado em setembro de 2024, destaca a necessidade de um novo projeto de investimentos, superior ao histórico Plano Marshall que revitalizou a Europa após a Segunda Guerra Mundial.
Draghi estima que a Europa precisaria de investimentos de cerca de 800 bilhões de euros anualmente para manter sua economia sustentável e dinâmica. Este esforço é essencial para enfrentar os "desafios existenciais" que o continente enfrenta atualmente.
"[A escolha que temos] é 'vamos agir' ou encaramos a lenta agonia do declínio", afirmou Draghi durante a apresentação de suas propostas, que geraram intensos debates entre líderes políticos europeus.
A equipe da BBC News Brasil conversou com especialistas sobre os desafios que o continente enfrenta para assegurar seus altos padrões de vida em um cenário global dominado pela ascensão da China e pela resiliência econômica dos Estados Unidos, além da forte oposição da Rússia.
Os especialistas apontam que a Alemanha, sendo a maior economia da Europa, desempenha um papel crucial. No entanto, o país tem encontrado dificuldades para se recuperar das crises geradas pela pandemia. Historicamente, a Alemanha tem liderado a Europa na superação de crises como as de Grécia, Portugal e Irlanda. A atual crise política no país, que resultou na derrubada da coalizão do chanceler Olaf Scholz, coincide com um momento crítico em que é preciso discutir qual estratégia econômica deve ser adotada para evitar um possível declínio.
O "declínio lento" da economia europeia é um fenômeno que se estende por décadas. Em 2000, a zona do euro representava quase 20% da economia mundial, enquanto a China tinha apenas 4%. Hoje, a participação da China cresceu para 17%, e a da zona do euro caiu para menos de 15%. Além disso, enquanto a economia global cresceu em média 2,97% nos últimos anos, a zona do euro não conseguiu acompanhar esse ritmo, com um crescimento de apenas 1,27% ao ano.
Em 2023, mesmo com a recuperação econômica global, a zona do euro teve um crescimento de apenas 3% desde os níveis pré-pandemia, contrastando com 9% para a China e 20% para os EUA. A Alemanha vivencia trimestres de crescimento negativo, enquanto o Reino Unido enfrenta sua própria recessão.
Emmanuel Sales, diretor da Fondation Robert Schuman, expressa preocupação com a imagem da Europa, que já foi vista como o futuro para os jovens. "O programa Erasmus oferecia oportunidades para os jovens explorarem diferentes culturas, mas atualmente a Europa é percebida como sinônimo de regulamentação e restrições", lamenta Sales.
O embaixador Jorge Dezcallar de Mazarredo, ex-diretor dos serviços de inteligência da Espanha, alerta que sem reformas, em 2050, nenhuma economia europeia figurará entre as dez mais importantes do mundo. "O sistema de saúde e a educação são excelentes, mas a sustentabilidade desses padrões altos está em questão", pondera Mazarredo.
O relatório de Draghi detalha três desafios críticos para a Europa:
Draghi argumenta que as políticas atuais de austeridade devem ser reavaliadas em favor de investimentos audaciosos, sendo que um aumento de 800 bilhões de euros em investimentos anualmente corresponderia a cerca de 5% do PIB da União Europeia.
Porém, a resistência à proposta é forte, especialmente na Alemanha. O ex-ministro da Economia, Christian Lindner, declarou que "a Alemanha não aceitará esse plano". Discussões sobre a necessidade de incrementar investimentos versus o controle fiscal estão cada vez mais presentes no debate político alemão enquanto o país se prepara para novas eleições.
Em resposta às tensões econômicas geradas pela invasão russa à Ucrânia e pelo aumento dos gastos com defesa, a Alemanha enfrenta dilemas profundos sobre seu futuro econômico e suas políticas fiscais.
A diferença de visões políticas e econômicas entre a Alemanha e o resto da Europa tem sido um desafio constante. Emmanuel Sales destaca que, apesar de existirem diferentes economias dentro da União Europeia, a falta de uma estratégia unificada é um obstáculo para a solução de problemas comuns.
No entanto, especialistas como Richard Youngs afirmam que o entendimento do declínio europeu deve ser contextualizado. Para Youngs, embora existam desafios, a Europa ainda mantém características valiosas, sendo um dos regiões mais procuradas por imigrantes, além de ter padrões de vida relativamente altos comparados ao restante do mundo.
O foco agora é garantir que, em meio a um cenário global mutável, a Europa consiga não apenas sobreviver, mas também prosperar, aprendendo com as experiências do passado e respondendo aos desafios atuais com um novo espírito de colaboração e inovação.
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