Em cerimônia dos 80 anos da libertação do campo de Auschwitz-Birkenau, sobreviventes pedem que o horror nazista não seja esquecido e alertam para a naturalização do pensamento autoritário na política. Alguns dos poucos sobreviventes ainda vivos de Auschwitz voltaram nesta segunda-feira (27/01) ao campo de concentração e extermínio nazista na Polônia para a celebração do 80º aniversário do seu fim.
"Oitenta anos após a libertação, o mundo está novamente em crise", alertou a autora e pesquisadora Tova Friedman, 86 anos, em seu discurso durante a cerimônia, e acrescentou: "o antissemitismo desenfreado que está se espalhando entre as nações é chocante".
Friedman e mais 50 sobreviventes se reuniram do lado de fora dos portões de Auschwitz, acompanhados por dezenas de líderes mundiais - que, dessa vez, não fizeram discursos, apenas ouviram. Leon Weintraub, um médico sueco de 99 anos nascido na Polônia, enviado ao campo em 1944, pediu que os jovens "fossem sensíveis" à intolerância e à discriminação e condenou a proliferação de movimentos inspirados pelo nazismo na Europa. "Peço que multipliquem seus esforços para combater as opiniões cujos efeitos estamos relembrando hoje", disse.
Outro sobrevivente de Auschwitz, Pavel Taussig, falou à agência AFP, antes da cerimônia, que teme a ascensão de forças de ultradireita como a Alternativa para Alemanha (AfD, da sigla em alemão). O partido está em segundo lugar nas intenções de voto para as eleições gerais de 23 de fevereiro e tem nas suas fileiras políticos que usam slogans nazistas e banalizam o Holocausto. "Há muito tempo que não esperava experimentar algo assim novamente e espero que não continue assim." Auschwitz foi o maior dos campos de extermínio construídos pela Alemanha nazista. O local virou um símbolo do Holocausto de 6 milhões de judeus europeus.
Entre 1940 e 1945, estima-se que 1 milhão de judeus e mais de 100 mil outros "elementos indesejados" - homossexuais, pessoas com deficiência, os sinti e roma (etnias ciganas), opositores políticos - foram executados no campo. Em 27 de janeiro de 1945, a máquina de execução foi desmanchada por tropas soviéticas, e a data foi designada pelas Nações Unidas como o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.
Reações políticas: A cerimônia desta segunda contou com a presença do chanceler federal alemão Olaf Scholz, o presidente polonês Andrzej Duda, o presidente ucraniano Volodimir Zelenski, o rei Charles 3º da Grã-Bretanha, o presidente francês Emmanuel Macron e dezenas de outros líderes internacionais. Os organizadores decidiram não incluir discursos políticos para manter o foco nos sobreviventes. O presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, fez um apelo, durante a visita, para que a memória dos crimes e das vítimas dos nazistas fosse mantida viva. "A memória não tem fim e, portanto, a responsabilidade também não", disse.
Ele apontou para um aumento nos casos de antissemitismo na Alemanha, especialmente desde o ataque do Hamas a Israel em 2023 e a subsequente guerra em Gaza. "Nada mostra mais claramente que a memória não tem fim e, portanto, a responsabilidade não tem fim", enfatizou. A Rússia não foi convidada para a cerimônia na Polônia, em resposta à guerra em curso na Ucrânia. Moscou criticou a exclusão das comemorações.
Auschwitz começou a funcionar em 1940, na cidade de Oswiecim, no sul da Polônia - seu nome foi germanizado para Auschwitz pelos nazistas. Os primeiros 728 prisioneiros eram adversários políticos poloneses, e logo a estrutura virou uma máquina de matar. "Esse campo mudou significativamente. Originalmente, era um campo para prisioneiros políticos, pessoas que não estavam satisfeitas com a ocupação alemã", lembrou Janina Iwanska.
Janina também mencionou como as famílias ciganas e sinti foram levadas para uma parte de Auschwitz conhecida como "campo familiar", onde seus bebês foram submetidos a experimentos pelo infame Josef Mengele - oficial da SS e médico conhecido como "anjo da morte". "Os ciganos foram trazidos para cá em famílias inteiras porque ele se especializou em realizar experimentos em crianças", contou.
Tova Friedman afirmou, durante seu discurso, que sentia que era seu dever honrar a memória das crianças que morreram no Holocausto. "Da minha cidade, quatro crianças sobreviveram, então estou aqui para falar sobre aquelas que não estão aqui." Ela destacou a importância de transformar a dor do passado em um compromisso com um futuro melhor.