Fúria, desinteresse e frustração. Para Juan Gabriel Tokatlian, doutor em relações internacionais pela Universidade Johns Hopkins de Washington, nos Estados Unidos, Donald Trump retorna à Casa Branca com uma lista de assuntos pendentes em suas relações com a América Latina. "Trump chega frustrado com a América Latina pelo que não conseguiu no seu primeiro mandato", declarou o ex-reitor e atual professor da Universidade Torcuato Di Tella, de Buenos Aires, na Argentina. Ele conversou com a BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC, de sua propriedade perto de Medellín, na Colômbia, onde morou por 18 anos. "Acredito que iremos observar esta mistura de desinteresse e fúria pela América Latina representada nas suas primeiras ações [no governo]", declarou o reconhecido analista e pesquisador argentino.
No seu discurso de posse, Trump não mencionou nenhum país ou região, a não ser por dois anúncios vinculados à América Latina: a fronteira sul dos Estados Unidos e o Canal do Panamá. Em sua análise, Tokatlian aponta que este discurso apresenta um paradoxo, mostrando como Trump enfrenta a América Latina com uma mistura de desprezo e impotência. "Ele afirma que irá recuperar os Estados Unidos, mas parte da mesma debilidade exposta por ele próprio", aponta.
Tokatlian também ressalta que, tanto na campanha de 2016 quanto na de 2024, Trump via a América Latina através de uma perspectiva negativa. "Tanto na campanha de 2016, que o levou à Presidência, quanto na de 2024, tudo o que se referia à América Latina fazia parte de uma agenda negativa: criminalidade, narcotráfico e migração." Para ele, a América Latina se apresenta como uma região dependente sem perceber os danos que pode provocar aos Estados Unidos.
A reivindicação do Canal do Panamá por Trump vai nesta direção. Tokatlian afirma que as declarações de Trump sobre a presença da China no canal são falsas, esclarecendo que os dois terminais mencionados estão sob controle ocidental, e que a neutralidade do canal nunca foi comprometida. "$quot;É preciso recordar que o Panamá mantinha relações diplomáticas com Taiwan até o ano de 2017, quando decidiu rompê-las para estabelecer relações com a República Popular da China", destaca Tokatlian.
Tokatlian sugere que é importante investigar se há interesses particulares de amigos de Trump no Panamá. Ele enfatiza que a administração de Trump deve olhar além de Washington e Nova York, observando também a Califórnia e a Flórida, onde existem empresas de tecnologia que influenciaram o apoio a Trump nas eleições.
A análise de Tokatlian aponta que a América Latina é uma região com menos gravitação, mas que ainda possui atributos valiosos. Contudo, a fragmentação política da região impede uma resposta unificada às políticas de Trump. "A América Latina está totalmente fragmentada. Nossos mecanismos de associação não funcionam. O Mercosul vive encalhado... Presumimos que, ante os Estados Unidos, observaremos mais políticas bilaterais. Isso favorece Trump", conclui.